21 de jul. de 2016

De quando criança
olhava as pessas adultas
suas certezas
caras e bocas de quem
compreende o que
está passando

quando eu for adulto,
me dizia,
vou olhar como quem sabe
[eu ensaiava].

as enfermeiras e as
técnicas de enfermagem
conversam atrás do vidro
na sala de espera da
quimioterapia

: o admirável olhar de
certeza de quem sabe
o que está passando.

quanto a mim,
vejo-me ali
observando a reunião

; entre angústia
e admiração,
apenas observo.
telefone
sirene de ambulância
apito de fábrica

telefone
sirene de ambulância
apito de fábrica

telefone
sirene de ambulância
apito de fábrica

faltam três dias
ou a vida inteira
para a calmaria
toma aqui um poema que funciona como um abraço, uma janela capaz de diminuir o espaço, essa centena e meia de quilômetros opacos e paisagens que já conhecemos desde antes de nascermos, porque neste estado todos têm os olhos voltados para a capital.

toma aqui um poema que funciona como um abraço, remédio pra insônia, expectorante e descongestionante nasal.

faz desse poema travesseiro, cobertor de orelha, corretor ortográfico; faz desse poema um outro abraço, em retorno, um retrato de quando vínhamos em retorno e nos encontrávamos exatamente quando fechava o sinal, na faixa de pedestres perto do corpo de bombeiros.

faz desse poema um beijo ligeiro, um beijo estalado no pé do ouvido, um olhar pressentido e por isso olhado, e por isso mesmo repetido.

faz desse poema uma carta-resposta, um talão de apostas, pinta nele uma miragem: teu corpo é paisagem para ilustrar cartão-postal.
a chuva cai
solene e pesada
sobre meus planos
de dormir cedo
e evitar o que
é temor e o que
é receio
: as ruas alagadas
até as calçadas
amanhã cedo.

[penso que]
devia ter comprado
tênis novos
enquanto era
tempo
de evitar que
os pés molhados
entortassem
o caminho
pelo meio.

abro meu guarda-chuva
amarelo pra fingir
que existe sol.

depois fecho:
a cara na chuva,
a chuva na rua
e a água no bueiro.
deixa passar a tal
tocha olímpica
pelas ruas dessa
cidade que se
pretende onírica
e quase chega a ser
com tantas flores
e o brilho nos olhos
das pessoas que vêem
a tocha olímpica
sinal maior de união
pacifista em torno
de medalhas olímpicas
(que virão)
anunciadas pela tocha,
pela tocha olímpica.

deixa passar a tocha,
mas por favor não chame
os bombeiros quando
o fogo se espalhar
(porque vai se espalhar)
e queimar os disfarces
os enfeites
as flores de plástico
os sorrisos forçados

e o nosso cansaço
de ter ficado quatro horas
de pé esperando por isso.

que isso?

é a tocha.
a tocha olímpica.

amanhã choverá,
diz a previsão
e apagará o fogo
que se espalhará
sem aviso e
sem solução.
de onde eu venho
a gente nunca
se explica os porquês
das coisas mais
antigas

nunca responderam
às minhas perguntas
que suponho soassem
doloridas:

por que tanto silêncio?
por que a rua vazia?
já não é tempo de carnaval?

de onde eu venho,
endoença já disse,
as pessoas tem os
olhos em enxaimel

acordam cedo pra
trabalhar,
trabalham desde
muito cedo,
morrem cheias de
orgulho
cansadas de tanto
trabalho

mas vê? as ruas estão limpas
vê como somos organizados
não importa se os embriagados
gritem amor eterno aos postes

não importa que um sorriso
custe anos de economia

de onde eu venho
preciso explicar
que a vida pode ser
feita com poesia

e o carnaval era um programa
chato que ocupava a televisão
e me privava do cine privè
depois da meia noite
na rede bandeirantes.
tenho predileção
pelo enferrujado
do cotidiano:

torres de alta tensão
retroescavadeiras
ferramentas esquecidas
pelos cantos

engolir pregos
e percevejos

tudo teria
começado
numa anemia
infantil

prescrição médica
que recomendava
sulfato ferroso

todos os dias
dois comprimidos
no café da manhã.
incenso e
fumaça de
cigarro.

a mão,
o braço inteiro
dentro do
ralo

tentando
desentupir
o chuveiro:

aquele cheiro
de restos
de gente

cabelos
pentelhos
e sabonete.

aquele cheiro
que costumam
ter os sábados.

incenso e
fumaça de
cigarro

para abstrair
do ralo
e seus
segredos
sobre a
nossa
humanidade.
se fim de tarde
ou à tardinha
se hoje cedo
ou dizaôje

se boné e
bonéu
tábua e
tauba
louça e
loiça

se o pão
se o pom
se o bom
se o pom

se os passarinhos

; houve um tempo
a gente entendia
tudo que a gente
se dizia

fosse em português
fosse em paifilhês
fosse em alemon.
8 anos na repartição
e poucas vezes um abraço de
reecontro como aqueles
que a gente vê nos
filmes e pensa que bonito
seria, mas são 8 anos de mãos,
de apertos de mãos.

4 anos de faculdade
e nenhuma promessa de
eternidade como naquele
banco de praça que nos
ouviu escrever uma peça
sem graça que tratamos
como muito importante
até hoje.

faz 2 anos, um taxista
boliviano filho da puta
levou as câmeras, levou
a mochila com as câmeras
passaporte ticket de entrada
dinheiro caderno poemas
e fiquei 11 dias com o cu
na mão e com saudade
de meu pai - sentimento
patético, óbvio, como não
poderia deixar de ser,
afinal eu es tava perdido
na bolívia.

quando houve promoção
de super-8 eu não
tinha grana e não sabia
exatamente o que fazer
com uma super-8.

tivesse comprado ,
faria aqueles filmes ruins
em que as pessoas se abraçam
e a gente fica pensando
que bonito seria.
da janela do 6o
andar
abençôo a cidade
com fumaça de
cigarro
e tosse.

não possuo
agenda onde
marcar compromissos

[o que exige que tenha
de viver exatamente
na hora
as glórias
os fracassos
e os riscos]

da janela do 6o
andar recebo
os ombros que a
cidade me dá
como se não fosse
nada
ou quase nada
além disso.
[no sorriso dela
o frio se irrita
na ausência dela
a manhã se limita

a ser espera]
sigo queimando
poemas
que quase ninguém


três ou quatro
leitores
não podem
levar a nada

: não levam
à tevê
; ao encontro
com fátima
; às cozinhas
enguiçadas dos
programas de
culinária

sigo escrevendo
poemas e me
pergunto
: pra quê?

fazer dessa
uma outra vida
e recomeçar
a caminhada

, palavras
, palavras
, poemas

armação
& cilada.
Sobre a rotina
a nicotina
e rancores

domingo é dia
de rever a família

e se te perderes,
de espalhar excessos
por onde tu fores

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...