no subúrbio em que o sol não toca
e as crianças recolhem velas de carros
a terra se confunde com o concreto:
estivemos tão perto de algo, penso.
nunca estivemos tão perto.
não haviam universidades, faculdades,
nem havia ciência: era o mundo e só.
o mundo e o prestígio dos homens
de uniforme - à frente de militares
e escoteiros, os motoristas de ônibus.
íamos calculando o quanto custava
a vida: trinta ou quarenta anos de
cabeça baixa, dor nas costas, marmita,
moradia, aposentadoria e afins
: isso antes da televisão, dos sonhos
comprados a prazo, das viagens para
ali ao lado; isso antes da poesia. e se
os dias acinzentados dão a regra e a
forma, me despeço e desculpo: não
tenho mais idade pra ser motorista
tampouco astronauta. e se não aprendo
a lidar com isso, me condeno a carregar
comigo aquela falta que faz um sentido
pra levar a vida adiante. poemas não pagam
contas, é verdade. mas alimentam o bastante.
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