29 de jan. de 2018

no largo da alfândega um grupo de evangélicos
entoa hinos a um deus sem santos enquanto abrem os braços
como se fossem abraçar os sem-teto e os bêbados e as putas
banguelas que transitam pela conselheiro mafra e ali se deixam
estar atrás de uma sombra ou de um pouco de água nessa tarde
que quase chega aos quarenta graus enquanto a vocalista procura
no celular a letra para continuar para continuar cantando em louvor
a jesus cristo a pedro a tiago a joão enquanto um mendigo levanta
os braços e não percebo se é para glorificar ou se para pedir silêncio
que nessa vida já tem barulho demais

joão!, ela diz, antes do playback bater o início da próxima estrofe

caminho com meus currículos que disfarçam incompetências
que disfarçam as madrugadas em claro os dias catando palavras
a esmo para fazer aparecer no texto no poema na dedicatória que
vou escrever para quem comprar um exemplar do livro novo do antigo
do mais antigo, já que dizem "de literatura não se vive", mas tenho comprado
pão e leite e manteiga e cigarros com os livros vendidos

oras

escrevo emails como quem precisa como quem se humilha e lembro
de carlos dizendo que não era nada senão poeta mas quem penso
que sou para ousar lembrar de carlos?

o sol a pino às quatorze
o sol inclinado às dezoito
os evangélicos fazem coro para contratar novos famintos
e eu penso que um abraço é do que se necessita para não sucumbir antes do fim do dia.

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