Hoje senti de novo aquele conforto barulhento de depois do almoço quando a casa finalmente silencia, até os cachorros, e os móveis repousam um ao lado do outro no mais completo silêncio. Houve um tempo - naquele tempo de xis salada do Jacaré, que não era longe de casa e o pai nos levava de Variant verde-abacate, porque era sábado à noite. Eu dizia: houve um tempo em que a coca-cola de um livro servia cinco pessoas - era possível - e depois do almoço nos amontoávamos os três na chamada sala de tv [uma garagem reformada] para assistir McGyver e outras besteiras enlatadas. E é desse tempo o conforto.
A vida ainda era quase nada.
Então que chovia uma chuva fina, rala, e o frio apareceu de repente para mostrar que o que vem pela frente será em diferentes escalas de cinza. Frio que não dói nos ossos, ainda não, mas provoca um leve incômodo nos joelhos carcomidos e um frio na barriga, na altura do umbigo, decerto por ter comido a comida preparada por minha mãe. Ela me disse: "uma mãe sempre cozinha com amor para seu filho".
O pai voltou a fumar mesmo o câncer lhe ferindo a boca, o pulmão e os sentidos. Ri e comentei que um Hilton longo demora muito mais pra terminar e que sim, faz sentido, pensei, voltar a sentir prazeres enquanto ainda se tem tempo. Eu com meu café observava o cinza do vale, sentia aquele silêncio, a sala vazia quase até de mim.
Eu olhava pra trás com alegria e constatei que nada, lá atrás não tinha nada.
Hoje não tem nada também.
Viver é acostumar-se a somar zeros.
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