31 de ago. de 2017

álcool gel

trago as mãos
compulsivamente
embriagadas

o corte no dedo
sobra saliva
a pulila dilata

o vício se rende
não vence (mas)
muda de data.
estas paredes de tijolos
sobre os ombros

são edifícios
são calabouços

alguém que visse
diria como?

a contragosto
dos transeuntes

perambulo pelas
calçadas

e aguardo o toque
da caixa

a estreia da marcha
ao matadouro.
depois do almoço era obrigatório
fazer silêncio todos os dias de segunda
a domingo era preciso fazer silêncio
absoluto nem um pio nem um barulho
nem um respiro nem um soluço
jamais uma gargalhada

mas quando podia voltar a falar
quando já era hora
quando não havia censura
nem ameaça

o silêncio ainda reinava.

25 de ago. de 2017

aforismo

os homens que atiram em pássaros
deles dizemos que perderam sua
humanidade

porém

o pássaro que caminha entre os homens
sem medo atravessa os passos
desafiador e faminto

o pássaro que caminha entre os homens
e desafia as pisadas dos homens
já é humano ele mesmo

ainda que pequenino.

22 de ago. de 2017

deito ali a três palmos
das mãos mantidas cruzadas
a mão do relógio e a mão da aliança
enquanto a luz verde da televisão anoitece
e a voz não sai porque não tem como
e as horas que passam contamos com
o passar dos ônibus:

meias horas de subúrbio.

adormeço e imagino
o roçar das pontas dos dedos
as unhas longas passeando pelos
meus cabelos finos
ida e volta ida e volta
os dedos nos cabelos e eu te digo:

a isso chamamos cafuné
tão simples e tão bonito

desperto entre a falta e o apito
e espero com ansiedade
um roçar de barba na minha face
sem pelos e dali um beijo de lado
com que me dizes boa noite filho
e escapo entre as cortinas antes
de saber o resultado de brasil de
pelotas e goiás que no primeiro
tempo terminou empatado em
hum a hum.

18 de ago. de 2017

será fim de tarde daqui a pouco
e veremos os suicidas fazendo fila
em cima da ponte do tamarindo
para decidir quem pula e quem não

levitei com valeriana à espera de um
sonho que não chegou nem chega nunca
o poder do reset, disse pra ela, o poder
de morrer e reviver mas zerado de imagens

o poder de morrer e viver
o poder de morrer e viver
o poder de viver e morrer

o direito de respirar tranquilo
luiza chega hoje e com ela
o oxigênio.

17 de ago. de 2017

eu sei da umidade em que tu chafurdas
e sei dos monstros que estão sobre a cama
na hora em que te deitas eu sei que atrás da 
porta reside o medo e atrás da cortina a claridade
há de te cegar se ousares abrir a janela eu sei
que o número de imagens que te chegam
é impossível de calcular é impossível ordenar
em palavras eu sei que a noite é a vingança do 
dia sei que as manhãs são a herança da insônia
eu sei de ti e dos teus medos
dos teus segredos de menino
do teu choro mansinho que 
acaba sempre em convulsão
eu sei de ti
porque eu
também.

15 de ago. de 2017

o senhor promotor e o senhor advogado
tomam café na mesma padaria no início
e no fim do dia, às vezes pagam a conta
um do outro e o ato denota gentileza

o senhor juiz e o senhor deputado
passam férias no mesmo hotel passam
bronzeador um no outro tomando cuidado
para que a cobertura seja homogênea

o senhor governador e o senhor ministro
compreendem que interesses oblíquos podem
ter o mesmo destino se tudo for organizado

o senhor presidente e o senhor ex-presidente
acham graça do que dizem as revistas
e na hora de dormir viram-se pro mesmo lado.

9 de ago. de 2017

nossa casa não tem janelas nem portas
para eu esquecer abertas quando a chuva
insistir em fazer voar papéis nas tempestades
de fim de tarde

não tem paredes ainda não tem teto ou assoalho
não tem móveis para serem limpos porque
empoeirados não tem cama para o amor
ou mesa para o carteado

a casa não tem terreno ou boletos para serem
pagos em dia ou atrasados não tem número
na porta do apartamento nem escadas para
subir com as compras

a casa ainda não tem nada
nem fogo para aquecer a água do café
nem mesa de centro para acomodarmos
os pés essa casa não tem nada

a não ser desejos de felinos e samambaias
desejos de manhãs frias e ensolaradas
domingos inteiros de sorrisos e cara amassada
entre lençóis limpos com cheiro de lavanda

não tem ainda as paredes decoradas com nossas
fotos não tem endereço para nos mandarem
cartas não tem localização para quando os amigos
nos visitarem

mas tem a gente. e isso basta.


4 de ago. de 2017

para celebrar aqueles almoços de domingo
uma carteira de cigarros daquele tempo em que eu
roubava os de meu pai de cima da estante da cozinha
(escaladas que eram a aventura incalculada)
agora essa
explosão de açúcar no sangue & cafeína & nicotina
para lembrar que limpeza é um conceito muito frágil
ainda que o mix-para-celebração se distancie dos estragos
das travessias em mar revolto de álcool & cocaína
veja que
limpeza é um conceito tão frágil como aquele menino
assustado quando o pai chamou pra passear e era tarde
o susto e o grito incontido sempre que o pneu trepava a
calçada sempre que a tarde se tornava madrugada
sempre
que eu sonhava com os gritos que eu daria na cara do vizinho
que enfiava o pau na boca daquele rapazinho que era
eu e era outro e era eu e era outro mas nunca terá
idade para ser assassino a não ser dos próprios sonhos
aventureiro do próprio desatino desbravador de insônias
e colossos que eu trago nos bolsos de uma calça de menino
queria
um banquete com mesa vasta a se perder de vista
onde sentassem os amigos e os inimigos antigos
(porque a consideração somente surge no oposto)
onde coubessem o homem que me pretendo e o menino
(porque as lacunas da história de um cabem nas rugas do outro)
onde sentássemos todos para comemorar as mazelas
(setembro não chegará se sucumbirmos a agosto)
porque
há que se enfrentar os monstros e comemorar o desalinho
depois dos dez primeiros tombos a gente aprende a cair sozinho
quando foi que desaprendi a andar pra frente.

3 de ago. de 2017

não se trata de restar
petróleo posto que
franzinos e mirrados
quase nada restaria
se afogados no solo.

não se trata de virar
lenda: os dias já têm
em si muito mais do
necessário de dor que
exigem os poemas.

não se trata nem de
sobreviver: vida que
se vive a esmo nem
acredito que seja
mesmo vida.

porém
sabe-se lá.




1 de ago. de 2017

negociei com seu valmor, o zelador, a entrega dos livros que me chegam; a pequena porta da caixa de correio agora fica aberta e ele deposita os livros lá dentro. assim não preciso mais fugir de suas ligações no interfone ou correr para deixar o prédio antes de encontrá-lo: temo encontros antes do terceiro cigarro da manhã e seu valmor aparece sempre antes do terceiro.

outro dia veio ter comigo: então tu é poeta? e eu respondi que sim, tinha uns livros. e o que chega pelos correios são livros?, e eu disse que sim, livros, muitos de poesia, e a conversa terminou ali. seu valmor, inquieto, sempre me avisa quando chega um livro novo: coloquei na caixinha do correio, como o combinado. e eu o agradeço.

finalmente veio conversar. começou com um bom dia arrastado. então isso: esses livros que chegam pra ti, esses livros de poesia, eles vêm pelo correio, eles têm selos, né? e eu respondi que sim, muitos deles, sim. e sorri: o senhor coleciona selos, seu valmor? ele respondeu positivamente, gosta de selos. quando chegar de novo, guarda pra mim? guardei. e hoje pela manhã entreguei os selos recortados dos envelopes dentro de um livro de poemas. o meu livro.

a finalidade da poesia, quem sabe afinal realmente qual é.


já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...