21 de out. de 2017

[duns inéditos aí]

um carimbo exatamente aqui
duas assinaturas de testemunhas
três vias que serão analisadas
por altos funcionários e competentes
quatro vias do seu livro
+ carta de anuência da editora
[muito importante este ponto]
+ todos os anexos protocolados
+ o desmembramento do autor da obra
da obra pela obra da arte pela arte
o poema pelo poema ou o poema que
se foda isso aqui é um reclame
sobre burocracia editorial.
para meu amigo Gustavo Matte,
com aquele apoio bonito duma canção de Caetano:

i.
cruzei asfaltos, romeiros
cruzei tantas serras que
terminei tonto: paisagens
furnas, o rio paraíba do
sul e o trem competindo
quem chega antes na baía
da guanabara

- os ricos subiram o morro de santa teresa
para fugir das doenças, veja só
a elite carioca e a elite blumenauense,
vejamos quem subiu antes -

ii.
vi romeiros atropelados,
quem diria que a santa estaria
ocupada com outros propósitos -
eu vi a fome na beira da estrada
na porta do bar a fome na porta
do restaurante - a fome faz morada
em cada esquina de cada cidade
cinza ou ensolarada

iii.
senti o sol que banhou bandeira
floriano & deodoro da fonseca
eu vi o beco, eu vi a guerra
vi a boca banguela da baía
na criança suja e mal-vestida
: faminta e maltratada, ela sorria.

iv.
em dois lugares no mundo
encontram-se araucárias
: primas, nascidas juntas
divididas pela cordilheira
dos andes habitam a região
do paraná e de santa catarina
e no chile, na araucanía
a araucária chegou bem antes
do italiano fascista
do nazista alemão.

v.
conhecedor do brasil de fato
pelas fotos dos livros de geografia
este é portanto o relato:
este país é um retrato falado
dum criminoso que anda liberto
longe ou perto longe e perto
tanto mais se caminha à procura
é sempre perigosa a noite
escura - é sempre verde e
retumbante este deserto.
as fotocópias autenticadas
: verificados os documentos
de acordo com os procedimentos
o deferimento demora dez dias
a partir da data de entrada
o prazo não será prorrogado
se a resposta for indesejada:
|os dias matam os dias e as noites
são uma longa estrada escura
os dias matam os dias cobrem os
dias e suas fissuras
os dias matam os dias confira
a sua assinatura|
a morte diária cotidiana
acontece das 8 às 18
mesmo que os dias se sucedam
no vício viscoso e avesso
de nos assistirmos no espelho
sorrindo de domingo a
domingo
lavando a bunda na
segunda.
frio como naquele inverno
em que vimos nevar nestes
morros
o vento gelado pelas frestas
e os espaços na parede de
madeira

mas isso foi antes
agora este apartamento
quente

frio de inverno úmido de
mãos nos bolsos de pés
gelados de um par de tênis
molhados

antes deste par de botas
destas meias grossas
deste dia azul

frio como despedida do
morto frio como olhar estas
fotos frio como um poema
que se engaveta por não
se ter a quem mostrar

frio como aniversários
como salário atrasado
como ter de vender o almoço
para enganar o jantar

frio como metal quente
como gole de aguardente
ou como

: é primavera
e faz frio como o inferno
e não para de esfriar.
sexta-feira e
os jovens se embebedam
os cães latem até mais tarde
os pneus gritam gritam gritam
e os pássaros noturnos fazem
festa antes de anunciada a manhã

sexta-feira e
ditadores anunciam o fim do mundo
astrólogos anunciam o fim do mundo
manchetes anunciam o fim do mundo
porém o mundo não vai acabar
o domingo deve acontecer
e com ele a televisão
e os programas de auditório

o senhor escriturário arruma sua
mesa e bate o ponto na repartição
com a tranquilidade de quem sabe
que

a semana precisa recomeçar
para que as promessas nunca
se cumpram.

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...