2 de abr. de 2018

como um menino que sonha com
pilhas - substantivo que mal cabe no
poema - amarelas e que soltam
faíscas que acendam as luzes
as engrenagens desse caminhão
de bombeiro desse carro de polícia
- foi papai noel quem deixou na fábrica -
me dizia minha mãe e eu acreditava.

como o pai do menino que sonha
com pilhas - substantivo difícil, ainda não
encaixa - porque trouxe o presente e
esqueceu o alimento do brinquedo

ele sabe que ao abrir para o menino
e retirar do pacote os dois ou quatro
cilindros de dióxido de manganês e
zinco retornará a um tempo que
supunha perdido para fazer ligar
as engrenagens de um carro de
polícia de uma ambulância que
sairá pelo tapete da sala para atender
os necessitados e os feridos.

para além de tudo isso, esse poema
queria falar sobre insônia e sobre alfredo
pois descobri que sou cada vez mais ele
: cumprimento as pessoas e sorrio
embora não entenda nada do que dizem.
não sei se giddens estava certo
: modernidade é uma crença
: não sabemos como funciona
mas queremos muito que sim

a chuva daqui também molha
o frio me exige teu jeito
exílio é um nome imperfeito
que quer nos dizer que demora

a casa, a gata, os cheiros
- lento como cigarro aceso
calor de incenso e cobertor

se giddens estiver certo, voo amanhã
pro teu lado - não sei como funciona
mas o avião voa, amor.

(para Luiza Melo)
depois soubemos a falsidade da
fotografia que mostrava o abismo
a dois pés do pão de açúcar
: quisemos acreditar

que pisamos em terra firme
que o abismo é mais adiante
que o rio é cenário pro mundo
deste país sem circunstância

depois soubemos ser falsa
revelada como montagem
do que nos resta a metáfora

que abismo é onde habitamos
onde a luz quase nunca chega
e as pérolas confundem-se no fundo.

(para Tarso de Melo)
- aqui quem fala sou eu, filhadaputa
- calaboca que eu tô mandando
- mão na cabeça, eu falei! agora!
- olha o pessoalzinho da poesia

um polícia sem nome chamava o
outro de stevie (nome falso para
confundir incautos) - stevie, ele disse
que não fuma maconha!

vocês sabem quantas vidas são
ceifadas a cada baseado? quantas
famílias perdem a vida?

- essa bolsa é tua? devia ter trazido
os cachorros -, repetia insistentemente
o cãozinho do estado.
imagino que vocês tenham sabido
que esse país inteiro foi falido sob
as circunstâncias de nem bem uma
semana atrás: já não são possíveis

poemas de amor ou de circunstância
- então escrevo sobre a distância
que agride mais do que imaginava
fosse capaz neste país feito de homens

e livros, mas feito de mortes, de tiros
a esmo contra quem que se ponha
na frente deste trem desgovernado

aqui faz frio e não há o que comemorar
nem o outono, nem a poesia ou a primavera
- que já começa em algum outro lugar.

(para o Caio, pela deixa e pela distância; para o Matheus)
tinha ainda o mário da escola de inglês:
morava numa sala de aula e dizia que
para conquistar algo na vida era preciso
muito sonho e muito trabalho

- que no meu caso consistia em marcar
entrevistas por telefone, andar de ônibus
e chegar bem vestido, embora completamente
suado, para o compromisso
: retornar com um cheque no valor da matrícula
do desavisado da vez

hora extra: ouvir histórias de êxito, aprender
a dirigir carro velho, retornar no dia seguinte
até alcançar o topo da pirâmide ou me dar
conta do acinte

morte a morte: virada na praia: prêmio para os
funcionários vendedores de milagres em língua
estrangeira - não tínhamos nunca conseguido
entender a partilha dos honorários

: conheci a cocaína, mas antes de passar dez anos
cheirando a farinha com que o diabo amassa o pão
perguntei

me cuida?
ele disse que sim
me cuida?
ele disse que sim
me cuida?

e como um pedro-ao-contrário
afirmou por três vezes minha condena
antes de seu sumiço temporário

[soube dele depois, quando assassinado:
havia vencido (e imagino que sorria o riso
largo e bonito de pequeno-grande-empresário)]

fiquei triste e liguei pro carinha: mesmo lugar,
mesmo horário: o diabo pelas ventas e desejo
antes de assoprar as velas de aniversário.
a casa ficou em silêncio

e é hora de pensar na morte do poeta e nos poetas todos que insistem em não morrer
pensar naquele silêncio de apartamento pequeno depois que luiz foi embora no silêncio depois que eu fui embora de mim tantas vezes tantas vezes que não seria possível agora contar

queimaram meu pai queimaram seu rosto e as cordas vocais de onde eu esperava que saíssem histórias saíssem amores saíssem louvores pela vida
mas não
e agora o silêncio grunhe o silêncio fala e entre gestos e olhares nos amamos

é hora de silêncio no coração de silêncio no nono andar o mar inteiro parece silenciar diante de um boleto a ser pago diante dum livro a ser escrito diante dum caminho a ser rodado
: para onde?

eu tenho trinta e três anos e ainda me apaixono por homens que elejo meus pais desde vinícius desde barone desde um professor bêbado no colégio interno
eu procuro

: alguém que fique em silêncio comigo e me diga
meu filho, a vida não é assim

a vida
não é
assim

quando talvez eu escute talvez eu aprenda talvez eu dê conta de não odiar as instituições a família a religião e os almoços de domingo em que se faz de conta que o amor é verdadeiro que o amor é permanente que o amor que o amor que nada.

tenho vergonha dos cigarros tantos porque sei que o que haveria por se preencher não será nunca possível

o poeta compreendeu
sandro compreendeu
e eu escrevi um poema para daniel, morto antes,
ele sim com uma vida inteira pela frente

ele sim com uma vida de torcedor do palmeiras
de financiamento de carro de emprego certo
de convicção política

[no lançamento de trapaça não apareceu um puto
dum familiar para me dar um abraço quando o que
se quer num momento desses é conforto: escrever
é um erro apostar nisso é um erro ser reconhecido
por isso errar tanto errar tanto!]

um poeta morreu

(mas)

eugênio agora tem um livro de que eu não consigo falar apesar de lhe ter escrito uma orelha
bruna foi quem desenhou a capa
o poeta que eu carrego como se fosse meu como se fosse um souvenir um algo que o valha

o poeta que não tem casa
que não tem família que não tem nada

mas um livro

(eu tenho cinco e nada disso
preenche o buraco nada disso
me deixa tranquilo)

é preciso chorar até a baba escorrer
pelo queixo pingar nos joelhos lamber
os tornozelos e assim alcançar o chão

rumar ao caminho da escada e alcançar
a rua porta afora

(isso não é um poema
é uma abstração
uma forma de chamar atenção
pro que não importa).
é antes ainda de meu pai
é antes quem sabe do início
do pai de meu pai é antes
de quando se achava que ainda
era cedo

|um homem acende um cigarro
num dia de chuva e a fumaça
sobe pegajosa e contínua
como uma nuvem|

é antes muito antes de quando
se dizia que era cedo é ainda
no útero da mãe primeira quem
sabe é no útero da mãe da
primeira

|um menino se reconhecesse homem
no espelho nos espelhos nas paredes
espelhadas a que chamamos memória|

são domingos de chuva
são visitas daquele tempo em que as pessoas
se visitavam
são caminhos que se percorrem naturalmente
antes que se questione por que

é ainda ainda do início do mundo
antes, muito muito antes

quem sabe.

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...