31 de jan. de 2016

de todas partes
se escutam ecos
do que nos restou
daquelas velhas
tardes.

já ultrapassamos
o que nos doía,

restam apenas
algumas verdades.
viu que não
apareceu o sol?

nos consultórios
nas fábricas
nas repartições
nas escadas
nas fileiras
nas estradas
nos laboratórios

tudo se resolverá
sob lâmpadas
fluorescentes.
Andamos muito
antes que
explicassem-nos
o quão redondo
esse mundo era.

em linha reta

sem fim
nem fundo.
vejo tua casa,
daniel,
onde o quintal
o futebol
as conversas
onde enterramos
aquele pássaro
e coroamos a
terra com flores.

vamos lembrar
onde ele repousa?

queria crer que todos
vão pro céu
(até os pássaros).

queria crer que a gente
supera nossos fracassos,
nossos passados.

naquele tempo a
vida ainda era longa
e a gente nem pensava
nisso.

naquele tempo a gente
enterrava os pássaros
e ainda não sabia que
iria enterrar os amigos.
A classe média
sofre com a escolha
dos candidatos
(fora barbudos,
fora bandidos,
eles dizem).
Não se enxergam
nos seus próprios
espelhos quebrados.

A classe média
sofre, mas com
o preço do vinho
importado,
com a escolha
das louças do
lavabo,
com o papel de
parede pro quarto,
com o mármore da
cozinha
(melhor marrom ou
azulado?).

A classe média
sofre com o destino
do cruzeiro de férias
(o Caribe não sabe onde
fica e Bu enos Aires é
tão manjado!)

Sofre quando entra
em avião cheio de pobre
assalariado.

A classe média
sofre quando a escola
pública apresenta
bons resultados
e não consegue
conceber que os muros
de seus colégios
não protegem do
fracasso.

A classe média
sofre com a recente
alta do dólar
e já repensa o que
fazer no feriado.

A classe média
que sofre com o
preço da gasolina
não dá vez para
o ônibus lotado de gente
que vai pro trabalho
todo dia de manhã.

"Mas e eu ,
eu não trabalho?",
surge a questão.

Trabalha, claro que sim.
Mas trabalha menos
que sofre.

Porque a classe média
vive do seu mais famoso
tormento:

não enriquece porque
não consegue;
se estabelece e faz
desse o seu sustento:

de tanto qu e sofre,
a classe média
faz do sofrer o seu
mais saboroso alimento.

A TV noticiou o
ar pesado,
mas não falou do
cheiro ruim,
cheiro de sofrimento
barato,
parcelado no cartão,
com juros no crediário.

A TV noticiou
e a classe média
fez que sim:
"Dá um pedaço pra mim,
tô de sofrimento atrasado".

A classe média sofre
é de um mal ocidental,
há tanto tempo repetido,
aprendido e ensinado.

A classe média sofre
de não conseguir
olhar pro lado.
eu vi a gente
e parece que sempre
e parece que tanto
e parece que sempre
mais.

eu vi a gente
num retrato antigo
que eu trago comigo
- vi a gente e muito
mais:

nunca futuro,
nunca certeza,
divide a mesa
com teu irmão.

eu vi a gente
e parece que fomos
muito mais do que somo s
- vi a gente,
não vejo mais.

12 de jan. de 2016

Poderei dizer
que a vida
me foi boa
e má na mesma
medida.

Qual medida,
poderão
me perguntar,

eu direi somente:

não sei.

E continuarei:

poderei dizer
que a vida
me foi boa
e má na mesma
medida qualquer.

A luta de Martin

Sobre a visita ao Museo de las Memórias - Dictadura y Derechos Humanos de Asunción, que foi publicado no site do Instituto de Estudos Latino-Americanos -IELA, e que pode ser conferido aqui.

8 de jan. de 2016

O filho da empregada.

O filho da empregada chegou ao fim. Definitivamente. Para quem quiser experimentá-lo, segue seu texto completo. Lançaremos tão logo o ano comece - para lançamentos de livro, evidentemente, porque para as empregadas e empregados domésticos do Brasil, ele já começou antes mesmo de se encerrar 2015.



a poesia
esporádica
catártica
sintomática
e voraz

deveria ser
caminho de
paz,

mas não.

o poema
é vento
que
antecede
a tempestade.

o poema
é sombra
para toda
e qualquer
verdade.

a poesia
de vez em
quando,
como quem
diz não
mas quer
sempre
mais.

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...