26 de ago. de 2009

A minha parte.

eu fiz a minha parte, abri aqui o bloco de notas pra escrever sobre o quê, sobre quem e quando. faz muito tempo e faz exatamente um ano. eu fiz a minha parte e no fim das contas não tenho mérito, eu só preciso do silêncio, não me telefonem, não me escrevam, pra que pedir se é isso mesmo que acontece sem que eu tenha realmente controle.

faz sol aqui e lá, ela me disse, faz sol, a manhã é bonita lá e é bonita aqui, sem mágoa, tristeza ou lembrança triste de quantos anos ou um ano atrás, talvez uma saudade, várias saudades, enfim. faz sol mesmo, não há como negar, olha ali e me diz se não é mesmo um dia branco. mentira. são nuvens. tomei café com meu pai ontem e ele me disse que o tempo ia durar, ia ficar sol, ia ficar assim, lá filho, olha as estrelas. eu olhei, pai. eu olhei. e faz sol só pelo pai. quem ver vai dizer que tá cinza e não erra.

eu meço o tempo em quilômetros.

grande coisa, eu fiz a minha parte, abri aqui o bloco de notas pra escrever compulsivamente sobre alguém que no fim sou sempre eu mesmo, grande coisa isso de escrever, teorizava sábado que é preciso apartar, mas personagem não sente, moço, personagem é a máscara que tu pões nos teus desejos, entende? moço, personagem é brincadeira de criança, ficar dizendo a ele o que fazer contigo mesmo, era tu que querias matar teu pai, comer tua irmã, rasgar teu pescoço com os cacos daquele vidro mais antigo.

não consigo mais ler porque a literatura é essa merda de a gente ficar vivendo uma outra vida. a vida da personagem. queria tomar café com o mirisola hoje pra acabar de uma vez com todas com isso de admirar. não reconheço mais nada, joyce é cansativo e só se lê pra colocar numa espécie de currículo que bem poderia ser quem tem o pau maior e é quem conseguiu ler mais vezes o ulisses ou qualquer outro da mesma estirpe.

preciso fazer mais pela gente porque não tenho o que fazer comigo, entende?

ela me disse que faz sol lá e isso me basta por um dia inteiro. e eu sorrio por um dia inteiro pensando no sol que ela é.

18 de ago. de 2009

Setembro.

eu tinha quantos anos e quantas vezes vou escrever sobre isso, mas fazia sol e viriam as pessoas viriam, mas elas não vinham e havia bolo e refrigerante e talvez chapeuzinhos, havia balões, sempre houve balões que eram enchidos para serem esvaziados com o tempo, a tristeza que é um balão esvaziando, sinal de que não foi estourado na festa porque não houve festa.

as pessoas viriam, as pessoas viriam e eu esperava sentado na calçada olhando a estrada, elas fariam uma curva à direita e eu reconheceria os carros, é para isso que são feitos convites e é por isso que se sonha na noite anterior com os presentes que a gente vai ganhar, acho que por essa época eu sonhava com um forte apache ou era mais tarde e já havia o comando cobra, embora eu sempre jogasse do lado dos mocinhos.

sempre houve essa angústia pelas pessoas que viriam e depois de horas e horas e horas as pessoas iam embora arrotando salgadinhos e refrigerante de laranja e eu continuava esperando as pessoas que viriam, não estava mais sentado na calçada, estava com caganeira de tanto brigadeiro enfiado güela abaixo, de tanto bolo de morango, cagando e esperando ainda as pessoas que viriam que iam embora naquele momento, que estiveram ali e nunca vieram.

as pessoas então viriam e eu sempre esperei angustiado como ontem ainda, não ontem, é figurativo, ontem eu sorria conversando com ela, ontem outro ontem, pra não especificar, ontem eu escrevia a maria, escrevia à maninha, escrevi há muitos anos ao meu pai e meu irmão tem um poema só pra ele, e eles nunca leram, nunca leram e eu digo pra não reparar, outro dia disse pra minha irmã não te angustia se ler, não leu, óbvio, mas o texto era para ela em sinal do repúdio e amor que somente família pode proporcionar.

por isso hoje o estômago revirado, náusea, náusea, esperando pra vomitar tantos quilos de salgadinhos, tantos litros de coca cola que me enfiaram sem eu poder decidir se era isso ou se era um abraço, um carinho mais de perto no colo de quem, talvez que tenham morrido alguns dos que vinham ou simplesmente desapareceram, o que também é uma forma de morrer.

dez anos atrás ou nove, não sei precisar, acordei antes da hora, saí do quarto do internato e pedro fazia qualquer enfeite na minha porta com papel higiênico e era para ser bonito e eu me puni por ter aberto a porta cedo demais, e logo ganhei um abraço, pedro era um irmão mais novo. um ano depois chorei como criança por não poder passar o último aniversário feliz da minha vida com quem realmente se importava com ele, pedro, dover, edo, gerber, aonde andarão essas pessoas que tanto amo.

as pessoas que viriam nunca vieram, estavam lá e nunca vieram, quanto tempo faz e quantas vezes escreverei sobre isso. o colo de meu pai, meu irmão não apareceu ou chegou tarde e minha irmã. chorei ao apagar as velas, tem foto disso, ainda não sabia, o pai me segurando no colo. hoje chamo de inferno astral o que é só tristeza e lá se vão tantos anos e quantos mais virão e a sombra de setembro chegando será sempre punição. porque quanto mais desejos a serem realizados, menos pedidos há a serem feitos.

vai ser diferente, agora. ela vai me escrever e eu vou sorrir chorando por estar tão longe. em setembro os ipês florescem e a saudade é uma flor amarela que mastigo sem pensar.

6 de ago. de 2009

T.

eles discutiam sobre os descaminhos e recaminhos e eu ficava olhando pra saber o que dizer e não dizia nada, olhava pra porta e não pensava em nada. eu tinha sono e fome e uma vontade sincera de vomitar e meu nariz escorria e eu funguei três vezes traumatizado e traumatizante, aquela porra corroendo meu nariz.

eles discutiam e eu pensava no maior livro que já tinha lido, os livros grandes cansam mais do que a vida porque se estendem sempre muito longe. então sorri pensando que lerei mais quantas vezes puder o cem anos desde que eu passe os olhos pelo primeiro parágrafo onde diz que o capitão ou tenente aureliano buendía etc e tal.

acordei sozinho e o chão era gelado. talvez que meus rins doessem ou talvez eu só quisesse ter acordado numa cama quente de um quarto quente que tivesse aquele cheiro sincero dos cabelos dela. acordei sozinho e pensei que o melhor de sentir falta é justamente a falta que faz, ninguém lamenta o que tem por perto.

eu olhava a porta e as pessoas discutiam. eu mesmo discutia, embora não tivesse palavras. falávamos de literatura e do meu lado estava um amigo muito querido e do outro lado estava um amigo muito querido e em volta só havia estranhos e eu ficava olhando pra porta esperando que aquele olhar chegasse em mim e me dissesse calma, fica bem, estou aqui.

falávamos de quanto mede, de quanto mediu, o que se escreveu e chegamos aos cálculos, pois havia livros com muitas palavras e de repente se criaram os espaços eletrônicos onde se escrevia com poucas palavras e agora inventaram essa máquina de cotidiano onde somente se pode escrever cento e quarenta caracteres, não meçamos, serão muito poucas palavras, não contemos.

e eu pensando no quanto se pode dizer com tão pouco e quase propus que não escrevêssemos mais literatura, que nos contentássemos com o signo, somente o signo como num ideograma que não tivesse idéia que teria muito mais idéia porque seria somente o signo e percebi que não poderia explicar minha necessidade de não dizer.

lamentava-se que agora o texto se resumisse aos cento e quarenta caracteres e eu disse que se pode escrever muito bem em cento e quarenta caracteres e que havia um microconto que falava ao mesmo tempo de amor e de estocolmo e só uma mulher balançou a cabeça quando falei de estocolmo para mostrar que estava entendendo o que eu dizia.

eu pensei que não precisaria de tantas palavras como nos livros grandes que dóem como dói a vida nem das poucas palavras que dizem o que se pretende dizer em poucas palavras e que no fundo se entende nem mesmo dos cento e quarenta caracteres de cafezinho. eu precisaria somente de um signo, somente uma letra para dizer como os dias podem ser quentes, como os dias podem ser iluminados e como se pode sorrir nessa quinta-feira nublada quase fim.

eu escreveria somente t para dizer. t para abreviar o gosto. t para passar o dia. t para lembrar como se chama. eu escreveria somente este t de tatiana.

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...