30 de jan. de 2009

Poema que não foi.

Teus olhos, tuas sardas
teu falar tão tranquilo
(Mas sabe-se a ardência
da tua chama, Juliana).

Os amores vêm e vão
e quase nada tem-se
a ver com isso.
Mas te digo:
não despreza quem
te exclama, Juliana.

Mais do que dez minutos.
Dias inteiros, por que não?
Para saber-te alguém.
Para denominar-te.
Não importa se no Blues,
Se sentados na Lagoa.

[Não importa se na cama, Juliana]

29 de jan. de 2009

GAVETA #01

Saudade. Nunca souberam exatamente o que aconteceu, mas quando chegaram ela já estava morta. A cabeça meio de lado, deitada sobre o tapete vermelho da sala de visitas. Até ajudava a compor o ambiente. Aquele cadáver. O marido chorava e se ria todo. Confusão que se tem com a perda. Ataque cardíaco, aneurisma, leucemia. Falaram, falaram, mas realmente, de verdade, nunca disseram nada. Morta e enterrada.

Saudade. Dia ruim para Juliano. Quando os dias não são mais os mesmos, porque insistir em sentir saudade dos dias? Uma secretária chamada erroneamente Marlise — poderia ter um nome que condissesse com seu potencial de beleza. Família do interior, ficou Marlise mesmo. Uma secretária chamada Marlise o ajudava a esquecer a morte da esposa. Sexo, sexo. Aprendeu que bater lhe ajudava com os dias. E Marlise gostava de apanhar. Aprendeu que gostava, descobriu que gostava quando Juliano lhe deu o primeiro soco na cara exposta. Queria apanhar mais. Queria bater mais. Davam-se muito bem.

Dia ruim para Juliano. Reunião com os sócio e histórias sobre como deve ser uma sociedade, como se deve proceder com o dinheiro, como as pessoas, às vezes, tornam-se repentinamente estúpidas e desgostosas. Ele entendia que falavam com ele. Falavam com ele sobre ele mesmo, e ele não gostava. Dia ruim. No final da tarde, reunião com a professora do Tiaguinho. Criança revoltada que desistiu de aprender. Sete anos. Criança estranha que não conversa com os amigos e agride a professora.

Dia ruim, noite ruim. Telefonou-lhe a ex-esposa. Uma outra, que tinha dentes de ciso e os olhos caídos. Não a morta, uma outra. Falou-lhe dos filhos, que sentiam saudade e não lembravam mais quem era o pai. E que precisavam de dinheiro, todos os três. E a Vanessa precisa usar óculos o quanto antes e precisa de dinheiro para fazê-los. Noite ruim. Acordou com o alarme do carro gritando, desesperadamente, que queriam roubá-lo. Polícia, boletim de ocorrência. Três da manhã. Saudade da esposa morta.

De manhã, a surpresa. Encontram-no morto. Não em casa. Não. No cemitério. As unhas partidas, cheias de terra; a cara boa. Cara boa de criança que encontra presente de natal antes do natal. Cara boa. A minha, se encontro algum dinheiro perdido na gaveta. Estranho. Foto no jornal popular. Morto agarrado à morta. Triste cena a do Juliano abraçado ao punhado de ossos cobertos por fina camada de pele cinza.

Não havia cheiro de podre.

(Na gaveta desde abril de 2007)

27 de jan. de 2009

A minha ela

Uma mulher, que mulher fosse. Não que se parecesse com uma e tivesse ainda os pudores esperados da adolescência. As mais jovens têm outros odores, é verdade. No entanto tu sabes que esse perfume se extingue nas primeiras horas da manhã, quando estás a pensar em tristezas e és tomado, de abrupto, por sua ternura e por seu carinho, que te fazem pensar no mundo como um bom lugar para se viver, mesmo sem esquecer tuas tristezas. Do pudor, guardarás uma pergunta amarga: quando, ou melhor, com quem se tornará mulher esta que agora é criança ao teu lado? Esses montes de homens que se acotovelam nos balcões dos bares, todos trazem consigo a mesma dor de saber que não foram eles que as revelaram mulheres. Pobres fracos; deixam-se seduzir pelo perfume e se esquecem de lhes transgredir a vergonha. Pensam, tristemente, que foram usados. E estão certos por pensar assim.

Quando a vi, não tive dúvidas a respeito de sua pessoa: parecia indizível nas palavras tais quais as conhecemos — precisaria de novos signos, novos jeitos de querer dizer as coisas, para dizê-la a ela. Via em seu olhar mais do que supunha buscar compreender. Para tê-la, sabia que precisaria deixar de tratar como objetos as amantes que mantinha — Dora, Simone, Beatriz — e tratá-la como um objeto precioso; aliás, como uma preciosidade, sem ser objeto. Era preciso afastar-me dessas mulheres com quem conseguia, a pouco custo, algum entretenimento. Rapidamente deixei de visitá-las. Rapidamente, como costumam ser as transas que mantém os assalariados, aos domingos à noite, com suas esposas gordas: com a desculpa de brindarem o final de domingo, o início da semana; na verdade, expõem-se à repugnância para se desculparem com as companheiras pela rudez com que as trataram neste sábado e domingo chuvosos. Copulam como cães em dias tediosos. Não parecem humanos e sabem-no. Por isso as luzes apagadas.

Beatriz chorou. Disse que nunca antes havia se sentido tão puta, tão miseravelmente usada, como foi por mim. Não dei atenção ao que dizia, se não no momento em que disse que não me esqueceria, que eu havia sido o primeiro homem de sua vida. “Com agá maiúsculo, Mário”. Ri sinceramente de como se portava esta que, outrora, havia sido o melhor escape dessa minha vida mediana. “Desculpe-me, Bea, mas não conseguirás me manter por perto com as tuas frases prontas”. Saí, mas deixei a porta aberta. Caminhei lentamente até o elevador, que demorei para chamar. Se Beatriz viesse ao meu encontro nesses últimos instantes, talvez nunca tivesse deixado minha glamourosa vida de amante incorruptível. O elevador aportou naquele sexto andar. A porta de Beatriz continuava aberta. Seis andares abaixo, dois minutos depois, pensava que teria sido melhor manter Beatriz à minha espera: gosto desse bairro e agora não terei mais nenhum motivo para visitá-lo.

Não tem nome, ou pelo menos não precisa ter. Trata-se sim de uma mulher, como todas as outras que por aí se cruza num sábado à noite. Mas dar-lhe um nome seria limitar a impressão que me causa. Por isso, chamo-a de ela, simplesmente.

Dora era três anos mais velha do que eu e muitas vezes limitava nosso relacionamento a essa diferença. Passávamos muito tempo discutindo o porquê de eu parecer mais velho e ela, nos seus quase trinta anos, ainda agir como uma adolescente. Não era excelente na cama, mas sabia conversar assuntos que me interessavam. Não consegui lhe dizer que ia embora, que não me procurasse; ouvir de Beatriz que se sentira puta não fora assim tão fácil. Não queria que Dora me fizesse passar pelo mesmo constrangimento. Trabalhava no mesmo bairro em que morava e dificilmente o deixava para se divertir. Acontece disso no subúrbio: se não existem reais motivos para se deixar o lar e as redondezas que o circundam, é por lá mesmo que se fica. Limitei-me a dizer que não poderia mais vê-la, que os estudos estavam me consumindo a ponto de não poder mais perder tempo... Tivesse escolhido outras palavras! Dora rapidamente abriu a porta de seu quarto e fez sinal para que me retirasse. Acho que, no fundo, sonhava com o dia em que lhe pediria em casamento, o que naturalmente não aconteceria, e o que ela realmente não podia supor dessa forma. “Some daqui, canalha!” foram as suas únicas palavras. Ainda busquei seus olhos para mostrar que os meus lamentavam a sua perda. Dora olhava para o chão. Na verdade, mirava os sapatos que eu havia lhe dado de presente, quando a fiz prometer me acompanharia para dançar um dia desses. Dora dançando devia ser engraçado. Não sei, não tive tempo de ver.

Na mesa do bar, Celso perguntou se agia com razão, se sabia o que estava fazendo. Disse-lhe que não. Saberia estar certo se tudo desse certo no final. Angustiou-me seu pessimismo. “Três amantes. Não é assim dizer a uma mulher que ela não te serve mais: tudo isso tem um preço”. Disse a ele que o preço estava pago, pois já não podia contar com Dora, Beatriz e Simone. “Além do mais, três mulheres eram demais para mim. Sério. Tô falando sério! Tem gente aí, homens como eu, que não conseguem nem uma. Por isso essa doença generalizada, sabia? Por isso a busca eterna por uma mulher que se pareça com a mãe. Não acharam quem lhes desse prazer de verdade. Não foram comidos direito”. Celso ria.

Simone ria ao me ver. Sempre ria, o que me irritava. Dizia-lhe que não risse, que eu não tinha cara de palhaço e isso só a fazia rir mais. Também riu quando lhe disse que não precisava mais dela, que fosse ocupar seu tempo e suas neuroses com outro cara — o que ela rapidamente conseguiria. Muito bela, seu excesso de confiança em si a tornava uma femme fatale, algo de que ela nem desconfiava. Disse-lhe que não estava brincando e que era isso mesmo, que nunca mais me procurasse porque não a atenderia. Raramente a visitava, telefonava, chamava para aquietar minhas necessidades de homem. Soube por Celso, logo no início, que é assim que se tem de tratar as mulheres lindas e fortes. Deu certo. Simone foi quem melhor entendeu a situação em que eu me encontrava; apesar de nada ter dito a respeito dela, estava certa de que algo muito sério me acontecia.

— E quanto a Dora? E quanto a Beatriz?
— Elas vão ficar bem — disse.
— Não é uma delas, então.
— Não, Simone, não é uma delas.

Essa conversa a fez rir e, rindo, despediu-se de mim com um beijo. Quanta saúde na alma de Simone.

Celso perguntou se eu sabia alguma coisa sobre a mulher pela qual acabava de largar praticamente tudo. Disse-lhe que sabia pouco e que talvez a confundisse com outra pessoa ou, pior, não a reconhecesse se estivesse diante de mim e a luz não fosse boa.

— Confuso. Estou confuso. Não se pode trocar o certo pelo incerto — disse ele, enquanto dobrava ao meio um guardanapo de papel.
— Mas não é pra ficar confuso, Celso. Acontece que, por hora, é assim que as coisas têm de ser. Pelo menos é o que parece, não é?

A conversa com Celso me deixou inseguro. Irritei-me com isso e fiquei em silêncio. Logo ele era um dos que se acotovelavam no balcão do bar atrás de explicações (que não viriam, sempre disse a ele) para o fato de a ela dele ter ido embora. Não tocávamos no seu nome e não o farei aqui em respeito: há sempre muitos nomes que nos acostumamos a dizer e a repetir, esquecendo que seus significados os acompanham e podem nos abocanhar a qualquer momento. Meu silêncio não me constrangia, não era tédio. Observava as pessoas sentadas em outras mesas: homens e mulheres que se compraziam ao ouvir as mesmas canções de sempre, o mesmo bar com as mesmas canções, tocadas por um homem que parecia menor do que o violão que empunha.

O que se espera de uma mulher, eis a pergunta que fazemos, homens e mulheres, não levando em conta o que esperamos, mas se pode vir a esperar de nós. Sabia do tamanho do erro, da desgraça em que se pode cair ao abrir-se mão de si. Por isso decidi que seria eu mesmo ao encontrá-la, quando a encontrasse, e não consentiria com nenhuma mudança minha que não fosse fruto de real aprendizado; nunca mais mudar para agradar, mas mudar para sentir-me agradado. É em função disso que se vive; é em função disso que se deveria deixar viver. No entanto, jamais supunha que ela pudesse entrar por aquela porta, àquela noite. Jamais pude supor que adentrasse num bar cheio de homens e mulheres solitários em busca de embriaguez e sexo fácil. Nunca supondo nada contra mim, errei. O relógio devia marcar uma manhã. Não marcou mais hora nenhuma: naquele momento, o tempo parou.

Celso dizia que muitas coisas que eu ainda não tinha maturidade para entender. Uma de suas recomendações era que não se devia falar com uma mulher que não se conhecia quando se aparentasse embriaguez. Bebíamos sempre, Celso e eu, e raramente eu perdia o controle sobre minha sobriedade. Nessa noite, sentia-me bem, sentia-me leve. Se bebericava minhas cervejas, era por estar num bar e porque as pessoas à minha volta faziam-me sentir bem. No entanto, o mal estar que senti ao vê-la e imaginá-la me vendo ali, pensando talvez em outro homem ou sentindo saudade, não sei; o mal estar que senti ao vê-la tinha a ver com a minha fragilidade naquele momento. Por isso, talvez, tenha pedido um novo chopp, que o meu não estava mais gelado. Para curar-me desse mal estar, passei a beber a longos goles e os copos, sem que eu percebesse, acumulavam-se. Vazios.

Não que eu prefira as mulheres que fumam. Simone, Dora e Beatriz fumavam e talvez por isso me sentisse bem ao me deitar com elas. O cheiro do tabaco em seus corpos tão distintos — a mesma fragrância ofensiva, cáustica e levemente triste — sempre me excitou. Não a vi fumando no bar. Não pediu cinzeiro ao garçom. Adivinhava seu perfume: pela primeira vez, sentiria o verdadeiro cheiro de uma mulher. Não há mistério algum em homens bêbados puxarem conversas com essas belas mulheres que se encontram nos bares. É a defesa deles ante a agressiva beleza — e a imaginação... — dessas fêmeas insinuantes. Também não há mistérios nas mulheres que rejeitam esses homens: percebem-nos fracos. Lá estava eu, com o brilho nos olhos de quem já pode falar sem perceber que gagueja e com o cigarro aceso na mão. Poucos passos me separavam dela. A minha ela. Porque, como diz Celso, cada homem tem a sua.

Não me viu. O bar, aos poucos, esvaziava; aos poucos, os homens bêbados do balcão desistiam de procurar ali suas ex-meninas, agora mulheres, e iam para casa ou para a zona. Celso foi também e dessa vez não se despediu. Fiquei ali, sentado, a dois passos de sua mesa. Estava bêbado, já, mas conseguia acompanhar seu olhar vago. O olhar vago de uma mulher olha para tudo que lhe é realmente interessante. Sabia disso e me decepcionou o fato de não ter sido notado. Aliás, em dois ou três momentos talvez nossos olhares tenham se cruzado. Não fui reparado: tinha medo. A minha ela talvez tenha percebido: mulheres não gostam de homens que sentem medo. Assim eu pensava aquela noite, assim eu parei de temer. Nos falamos e foi como se nos conhecêssemos há anos, muitos anos. Havíamos nascido juntos, para sermos juntos e, enfim, havíamos nos encontrado.

Celso nunca telefonava, agora a todo instante. Perturba essa demorada atenção que tem me dedicado. Pareço doente, é o que imagino quando as pessoas que me conhecem olham com aquelas caras de pena. Quem não me conhece, deve imaginar que nasci assim mesmo, que as olheiras e a corcunda são parte de mim e que, no mínimo, devo ser uma pessoa infeliz por isso. Não querer sair de casa, não querer ver gente. Que mal há nisso tudo?

— É difícil se recolocar no mercado — diz Celso, sorrindo — mas eu posso ajudar.
— Não sei como agir — respondo.
— Naturalmente, talvez.

Se fosse fácil. Não que ainda reste algo de minha ela que valha a pena ser comentado, medido ou dito. Celso me convida para beber e aceito, apesar da cáustica letargia que sinto se aproximar. Sempre se aproxima quando surge a oportunidade de sair de casa, de encontrar pessoas novas, de cheirar cheiros novos em cabelos desconhecidos. Mas eis o grande problema: cheiros novos. Como senti-los se ainda sinto em mim o cheiro dela? Como cheirar outros cabelos, lamber outro sexo, sentir o azedo de alguma outra axila que sofre o espasmo de um orgasmo depois de seis anos sentindo os humores da mesma mulher?

Não tem lá grande explicação: um dia, olhei-a nos olhos e vi que já não a amava, que talvez nunca a tivesse amado. Não fiz esforço para dizer-lhe isso: sabe-se o quanto as mulheres têm capacidade de sentir. Ao invés de lhe falar, passei a estar ausente, simplesmente ausente. Ali, mas em outro lugar. De alguma forma, sentia que havia perdido a menina, que ela tinha ido embora sem deixar ninguém no lugar: um corpo, seios maduros, ancas maduras, mas nem menina nem mulher. Sentia-me culpado por isso, em parte: e se fosse eu quem a tivesse deflorado das doçuras da infância? Certamente que sim. Já não possuía a mesma brancura inocente de quando a conheci. No entanto, como repito e como ouço repetir-se na minha cabeça todo o tempo, com a ida da menina, não havia ninguém dentro do corpo nu que deitava-se ao meu lado. Era eu quem a segurava, de alguma forma, na prisão que eu havia lhe construído. Necessitava deixá-la partir, mas não sabia como. No entanto, estava claro: seria eu, logo, quem se debateria com outros homens nos balcões dos bares pensando no que poderia ter sido e realmente que jamais poderia ser.

Digo a Celso que não force a barra e respeite meus silêncios. Já me bastam todos os outros amigos, nossos amigos, amigos meus ou não, agora, lamentando que unha-e-carne, feijão-e-arroz etc. tenham se separado. Encravou-se a unha, azedou o feijão. Enfim. Celso já não bebe como outrora: a idade, os quarenta anos, lhe fazem pensar um tanto no futuro certo, na segurança da aposentadoria. “Já que vai ser assim, que seja com saúde”, repete sempre que precisa negar um copo de álcool fresco. Digo a ele que não se preocupe, que bebo por nós dois, que não se constranja e me leve para casa, carregado ou não. “Toda fossa, chega um dia, encontra seu encanador”, diz-me entre um doce sorriso paternal. Rimos juntos.

Deitava-se nua ao meu lado. A tevê ligada. Deitava-se nua, eu a abraçava, acariciava-lhe os seios. Os dois interessados na tevê, no seriado americano, no programa de humor, na maravilhosa cozinha da ofélia, sabe-se lá interessados no quê. Desinteressados um do outro. Numa das primeiras vezes que nos vimos, veio com essa: “Esse é o último primeiro beijo da minha vida”. Não tinha como responder diferente, disse que era também o meu. Enganava-me, enganava-nos. Mas todo engano tem sua recuperação, sua correção, sua purificação.
Por meses a fio, a desgraça da rotina: o primeiro pensamento da manhã direcionado a alguém que não pode retribuí-lo. Não pode porque não quer. Não pode porque não deve querer. Digo a Celso o que ouvi de uma colega de trabalho, quando a comentar as minhas olheiras: dor de amor só se cura com um novo amor. Celso ri e diz que dor de amor não existe: existe é dor de cama. “Uma nova boceta, isso sim vai te curar”. Repreendo-o por não levar a sério o estado enfermo em que me encontro.

— É sério! Encontra um corpo, fode até não poder mais que quero te ver lamentando pelos cantos!
— Não acredito que eu esteja ouvindo isso de ti. Mas vou procurar, sim. Depois te falo.

Encontrei. Não estava tão bêbado como nas outras noites. Não que estivesse evitando o trago; não faz sentido evitar o inevitável. Mas nessa noite a bebida não me caía bem, simplesmente não conseguia engolir o gim, a cerveja, o conhaque. Ela entrou no bar acompanhada de uma segunda que, para dizer a verdade, nunca soube se realmente existia: havia só ela. Perguntei seu nome de forma descontraída e viril: precisava mesmo de um corpo. Na manhã seguinte, acordei tarde e sozinho. Foi bom não ter bebido tanto, minha cabeça não dói como o habitual. Saiu sem fazer barulho, decerto, porque não ouvi. E deixou um bilhete que dizia qualquer coisa sobre a noite ter sido boa, sobre ter sido bom acordar abraçada a um homem. Junto, o número de seu telefone. Já não sofria — ou pelo menos não sabia sofrer. Hesitei: e se eu telefonasse? E se não telefonasse? Passei a manhã pensando nisso. Nisso e na minha ela, por onde andaria, com quem andaria e por que. Ao meu lado, a térmica de café e dois maços de cigarro. Lá fora, trovões insistentes anunciavam a chuva de verão. “Se chover, fodeu”, pensei. “Se não chover, também”. Ri comigo. Fazia tempo que não me permitia rir. Celso se orgulhará de ter razão. Certamente que sim.

Texto, teste, testa

Quando tiver assunto aqui, escrevo aqui. Quando tiver assunto lá, escrevo lá. A questão é que, aqui, não se trata de assunto. Não sei de quê se trata, afinal, essa coisa de escrever. Mas se ela está aqui, agora (ela é e está, e vem mais estando do que sendo ultimamente), é necessário tornar o escrito capaz de ser lido. Portanto. Pois bem.

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...