22 de nov. de 2017

quando menino
depois de tanto haver insistido
pude comprar um coração de boi
no açougue do maurício
para dissecar à procura dos batimentos
- ou algo parecido - que o livro de ciências
garantia que estaria por lá.

verão e o coração e a faca
- as moscas - os ventrículos
os átrios eu-ventríloquo
de um coração morto
que não bateria mais.

a culpa: não seria possível comer
- mãe, não dá pra assar cozinhar
ferver?

pesava mais de um quilo de carne
que já cheirava a carne morta
até que, menino, desisti.

o kit do cientista juvenil tinha na capa
uma foto de crianças dos 80 - a cara
do meu irmão, que foi criança nos 80
: tinha frascos com substâncias inofensivas,
tubos de ensaio, lâminas e um fogareiro
e pinças de madeira.

nunca quis ser cientista, só queria estar
perto de meu irmão.

em sampaulo vi um mendigo
dormindo coberto - fazia frio -
então num poema não escrito:

o chão
o mendigo
o cobertor
eram massa de cor
nenhuma no chão
cinza daquela manhã.
ninguém mais para o que está
fazendo para anotar palavras por
causa de um mendigo
em sampaulo
em florianópolis
em portalegre
imagino que também
em salvador.

ninguém mais para
para admirar a pobreza
- eu também não - tudo
tão normal que a ciência
explica
: a morte, o cheiro da morte
mas eu nunca quis ser
cientista.

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