24 de jun. de 2019

i.
acreditava que melhem adas
era nome dum deus geográfico
atlas
a Terra nos ombros
senhor da geografia
: a grafia dum M com
as pernas abertas
voo de pássaro na capa
do livro, no início do nome
no sonho acordado no banco
da escola pública
o sono, o sono.

ii.
senhor melhem adas,
pois homem
[quem diria] agora buscando
talvez libanês ou turco-otomano
a viagem ou sonho das
fotografias coloridas
[bendigo as gráficas, a tecnologia,
a década de 1990]
: via dutra, imigrantes, anchieta, rio-santos
e outros lugares por onde passei, homem,
rebuscando o menino e o sono do menino
e os sonhos de viagem - o banco da escola
de onde se sonhava para poder sair.

iii.
não sei todavia do cerrado da amazônia
das planícies pantaneiras do nordeste do
sertão de cubatão - embora são paulo -
não sei daquelas vias engarrafadas por
fuscas e chevettes e opalas
no entanto
senhor melhem adas
quantos quilômetros
de estradas passei enquanto
a explicação sobre demografia
se alongava
quantas capitais desse país
quantas florestas quantas
moradas - de senador camará
a capuava - de carapicuíba a
brasília e de lá, à ilha de santa
catarina [um rabisco no mapa].

iv.
senhor melhem adas, muito obrigado
pelas fotografias coloridas dos livros de
geografia.

v.
ainda que
( entenda meu reclame)
não tenha visto imagem da vizinhança
ou das montanhas dos rios de lama do
enxaimel-aborto-da-arquitetura

ainda que
(entenda, entenda)
o vale os alemães os italianos os japoneses
as carroças as vacas o queijo o leite
o sotaque a verdade e tudo aquilo
que não cabe nos livros
senhor melhem adas,
os livros não cabem nos livros, tampouco
os interiores as periferias as linhas invisíveis
entre aqui e a ali.

vi.
surgia hum mil novecentos e noventa e sete
e viegas entrou torto na sala de aula para pregar
o mapa de cabeça pra baixo no quadro verde
ele dizia que o mundo que os mapas que as
projeções ele dizia que as cidades que as culturas
que as populações

e aquele mapa profano do cabeçalho virado,
senhor melhem adas,
valeu mais do que todas as fotografias e os
mapas de seus livros

[me perdoe]

vii.
talvez joaquim me desdiga
(joaquim é geógrafo e professor, sorri
com os olhos
[não saberia dizer do sorriso do senhor]
e escreve poesia à maneira da maior cidade
brasileira
[o senhor veja, geografia e poesia]
mas no entanto profiro aqui
que o senhor melhem adas
geógrafo e escritor
autor de livros didáticos
escolhidos pelo professor
me fez estrago com os gráficos as linhas as cores
os dados os mapas e os vetores
mais do que me causou estrago
a própria poesia dos livros
com rimas-amores-dores

e por isso tomo liberdade para requerer:

viii
senhor melhem adas
peço-lhe que
caso haja tempo ainda
o senhor revise seus livros didáticos, pois sinto
falta de que sejam mostrados
(além das praias das montanhas das planícies dos planaltos
das rodovias)
a) o progresso, bairro sempre ao sul onde nasci
b) as ruas onde os meninos eram felizes
c) a fábrica, senhor melhem adas, a fábrica
d) a rua da glória e a oficina de bicicletas do pai do elias
e) uma cidade cansada, aquela

ix.
dado o pedido, digo que aguardo
se não uma retratação, um sinal
de que foram compreendidos
meus pedidos de revisão em algum
de seus livros, senhor melhem adas

x.
que não é deus ou atlas
que não é turco ou libanês
que não sabe de mim nem dos meus
mas que por humano e professor
imagino que tenha ouvidos
por isso me despeço do senhor
melhem adas
profundamente agradecido.
obrigado.

[08/06/2019]

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