6 de abr. de 2009

Santana, um homem.

Santana morava a duzentos metros do cemitério. Tinha uma mulher. E não era esposa. Era só sua mulher mesmo: Augusta, que não gostava do cemitério por onde tinha de passar todas as noites na volta do trabalho. Brigavam todos os dias por causa deles, do Santana e do cemitério. Por ele, pelo Santana, Augusta brigava porque, dizia, ele não tinha o menor respeito por ela, se a roubassem ele nem notaria etc e tal. Pelo cemitério, porque essa história toda dava mesmo uma boa briga e Augusta sabia disso. Mas o Santana trabalhava um tanto. Ô, se trabalhava! Era o mecânico-chefe de numa oficina que tinha em sociedade com um amigo. O amigo administrava e o Santana trabalhava com um ajudante.

Mas nada disso vem ao caso, agora. Acontece que o Santana, cansado de tanta frieza e maldade por parte da esposa, resolveu procurar por um calor de mulher de verdade. Foi pra zona. Ele com outro, a convite dele, o Pereira, seu ajudante na oficina. Santana bebeu, bebeu, tonteou, fumou, fumou e, salário no bolso, enfiou a cabeça nos peitos de uma puta, a Marluce. Se esbaldou nas coxas gordas, nos seios fartos, nos beiços caramelados de batom. Apaixonou-se.

Três dias sem brigas em casa. Três dias de zona. Santana, homem que era, ao entrar na casa de perto do cemitério, falou bravamente do que tinha feito, de quanto gastou e do quanto havia gostado.

Augusta ouvia.

Indiferente, ouvia. Depois de minutos de silêncio, uma voz firme:
— Então, a partir de hoje, moro sozinha nessa casa de merda!

Santana bateu forte com a mão na parede. Olhou macho para a mulher. Encheram-se-lhe os olhos de lágrimas. Balançou a cabeça prum lado, depois proutro, começou a chorar de mansinho, depois uivou como um gato e irrompeu num choro profundo e triste que diz, quem já viu, é o choro dos pais de natimortos que gastaram o que tinham no enxoval do bebê.

Chorou sério e o choro durou sete dias e sete noites. No última dia, na última hora, depois de apelos, promessas, carinhos e o pagamento de uma dívida de quatrocentos reais que ele lhe devia, Augusta permitiu que ficasse. Se mudasse, Claro.
E Santana mudou.

Nunca se viu marido mais atencioso e companheiro. Querido por todos como o respeitável esposo da Dona Augusta. E até eram felizes.

Um dia, Santana sofreu um acidente no trabalho (um carro caiu do elevador sobre as suas pernas, coisa horrível!, muito sangue) e ele tornou-se um imprestável. Foi morar de volta com a mãe, velhinha, e vivia de encosto na previdência social.

Augusta, essa se deu bem. Casou-se novamente com um tal de Pereira. Homem caprichoso! Homem homem mesmo! Não levava desaforo pra fora de casa. Morava na mesma casa de perto do cemitério com a Augusta e, da primeira vez que ela reclamou que ele não ia esperá-la na parada de ônibus, a coitada foi dormir toda roxa.

Em junho de 2007.

5 comentários:

Rodrigo Oliveira disse...

bem bacana. mas bah, to ainda pensando na Paola.

Costa disse...

homem homem é o que vai no puteiro quando sente necessidade. mulher mulher é a que reconhece que isso em si não é problema. mas o texto é verdadeiro. as mulheres, na maioria, ficam com os pereiras.

Marcelo Labes disse...

Tomara deus que não, Costa: pois com quem ficaria alguém como eu? Seria eu um Pereira? Dúvida, dúvidas... Abraço!

Lou disse...

Eu não lembrava de como era exatamente. Eu lembro que eu gostava dele mais do que agora, lendo a segunda vez. Não sei porque. Ainda bem que a acidez continua ali.

Marcelo Labes disse...

Eu, por incrível que pareça, também já gostei mais deste aqui. Parece que diz menos hoje. Se é que diz.

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...