30 de jun. de 2009

Conversa.

Você deve entender. Eu digo você porque a gente não se conhece e quando é assim não se pode tratar por tu. E tu é muito pessoal. Nunca tinha reparado, até que me disseram. Então agora eu digo a você que é fácil entender. É fácil porque não é difícil, de fato, você tem razão.

Eu sonho, entendeu? E sonho acordado, geralmente. Geralmente quase sempre, pra falar a verdade. Na verdade, só acordo na exata hora de dormir ou no final do mês quando vejo que não vou ter como pagar o aluguel ou comprar o café da manhã. A insônia e o final do mês são dois grandes relógios despertadores de madeira que badalam todas as horas existentes. Sabe como é? De madeira, na parede, badalando irritantemente.

Você há de entender quando eu silenciar. O silêncio é insuportável, convenhamos. Mais irritante do que as badaladas do relógio na parede. Mas é inevitável, convenhamos. Como é irritante no rock inglês quando vai explodir, mas não ainda, ainda não, e o mesmo acorde na guitarra seca, todo mundo sabe que vai explodir, o mesmo acorde. É irritante. Quando explode, quando a música se multiplica, a irritação dá lugar ao prazer. Por isso eu silencio. Não estou pensando em nada, não. Me deixa quieto e por aí vai.

Não é difícil se apaixonar por você. Sua pele. Posso te chamar de tu? Tua pele, então. E teus olhos. E teu sorriso. E tua voz ancestral — não sabe? Parece que falas há muito mais tempo: soa bem.

Então tu tens que entender que não é difícil eu perder o sono por tua causa. Não, não me fizeste nada. Não conseguirias me fazer nada, na verdade. Eu é que me faço. Eu é que penso demais, vou longe demais, vôo.

E tu vais ter de entender quando eu quiser falar de mim. Se eu gosto de te ouvir? Claro que sim! Nunca te disse? Te ouvir é a minha oportunidade de falar sem falar. Sim, as frases se completam sozinhas, sem eu intervir.

Quer dar um passeio? Me leva contigo. Não importa pra onde, só me leva. Tá aqui a minha mão, o meu braço. Tô aqui eu todo. Vamos?

(...)

Sorri. “Vamos?”, pergunta. Sorri mais aberto, mais sorriso. “Vamos, então?”, insiste. “Não quer mais ir? E se não quer, por que não?”.


No espelho, o reflexo mudo aguardando a resposta que não virá.

2 comentários:

Rodrigo Oliveira disse...

Esse espelho...
Sempre tem essas respostsa silentes que são um tapa na cara.

Marcelo Labes disse...

Um tapa que nós mesmos somos sempre (graças a deus!) capazes de darmos em nós mesmos.

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...