20 de jul. de 2009

Cálculos.

eu tinha prometido parar com isso de falar do meu pai morto, de três ou quatro nomes de gente que nunca se viu e que parece que existem mesmo, porque eu toco no assunto e meus olhos brilham e eu nem tenho certeza se existem mesmo esses três ou quatro amigos a quem sempre recorro quando vou contar uma história que valha a pena.

são tudo cálculos e, vê: já são dez anos de rio grande do sul e esse irritante sotaque gaúcho que a psicóloga gostosa - aquela mesma - disse que em metade do tempo que eu tinha passado no internato já deveria ter sumido e eu calculei ansioso que em um ano e meio isso deveria me deixar, mas já se passaram seis anos e meio e o sotaque continua aqui, ainda mais forte quando raquel telefona. saudade.

são tudo cálculos e eu morri em hum mil novescentos e noventa e quatro e depois morri em hum mil novescentos e noventa e nove e morri de novo em dois mil e um para somente morrer outra vez ano passado, ou seja, dois mil e oito. eu precisava pagar o aluguel e para isso tinha que vender livros, mas como não queria vender livros, acabei sem o dinheiro do aluguel e esqueci de contar quantos degraus havia entre a porta do apartamento e a porta da rua, porque eu exatamente morri em cada degrau, em cada passo, enquanto eu descia, e chovia aquela noite e novamente eu morri a cada degrau enquanto subia para dormir intranqüilo numa cama grande demais.

mas isso já faz tempo, só queria exemplificar os cálculos, porque fizemos mil quilômetros de motocicleta até o bar, isso quer dizer que foram quinhentos quilômetros sóbrios e ansiosos e quinhentos quilômetros com a noite ganha, ou seja, vendo tudo andar em torno de um eixo imaginário, tudo rodando, como sempre.

são tudo cálculos e depois de ontem eu vi que de fato nunca é tarde pra se morrer de novo, porque enquanto meu pai se suicidava lentamente, lá estava eu também morrendo, observando atentamente como se morre quando o que de fato se quer é morrer.

então hoje eu cadastrei duas mil e treze infrações de trânsito na maldita planilha do excel que me fez ter dor nas costas, mais ainda doeram as minhas costas porque eu não consegui almoçar e, por fim, me dei conta de que toda a dor nas costas é em função de um peso que eu não quero mais levar mas que é evidentemente prático carregar algo nas costas para que elas simplesmente doam.

pensei então: vou chegar em casa e vomitar na cara de todo mundo ou de ninguém as minhas verdades, as minhas mentiras, as ojerizas e os desejos, mas estavam todos dormindo e eu fiquei sem todo mundo e sem ninguém, apenas com este espaço eletrônico que eu supunha literário, mas é merda nenhuma, porque não pode ser literatura eu sentar aqui e escrever compulsivamente enquanto penso num final que simplesmente não me aparece, O FINAL SIMPLESMENTE NÃO ME APARECE!, e por isso talvez eu termine como as meninas escrevem nos diários, dizendo boa noite diário ou talvez eu termine assim, simplesmente.

11 comentários:

Anônimo disse...

talvez termine, ou talvez seja só um começo. me lembrou os malditos que me fizeram gostar de literatura.

Anônimo disse...

talvez termine, ou talvez seja só um começo. me lembrou os malditos que me fizeram gostar de literatura.

Marcelo Labes disse...

uma lembrança boa, espero. obrigado pelas leituras. abraço.

Tati P. disse...

a gente tenta até calcular quanto em cada letra cabe do que a gente sente... e parece cada vez mais perto quando a gente escreve-desabafa, embora de certa forma uma porcentagem sempre se perca.

Marcelo Labes disse...

e é o que se perde que faz de fato mais sentido, tati. obrigado pela visita.

viegas disse...

Labes, queria dizer quanto gostei deste teu texto, apesar de sabê-lo tão dolorosamente verdadeiro. Queria dizer do tanto de terremoto em meu peito, com este teu texto, apesar de sabê-lo teu, e não meu.
Queria dizer do tamanho da minha impressão nesta leitura, apesar de saber que a verdade das vísceras sempre impressionam, apesar de ordinariamente ordinárias.
Entretanto, desta vez, fiquei calado...
Abraço,
Viegas
(quinta?)

Marcelo Labes disse...

q bom q consigo um terremoto em teu peito com um texto meu, viegas. obrigado pela leitura atenciosa e pelo comentário carinhoso.

Rodrigo Oliveira disse...

Ah, se todas as entranhas fossem assim expostas. Se todas as letras fossem assim purgadas. E se tudo isso resolve algo, não? Ou algo disso, que resolvesse tudo. Mas não. As entranhas estão no chão. A gente tropeça, se embaraça, e traz elas de arrasto enroldilhas nos calcanhares. As tuas, hoje, derrubaram as minhas. E elas se arrastam agora, ali atrás a perseguir-me. Conviva com uma culpa dessas! Grande texto, grande texto.

Marcelo Labes disse...

convivo sim, rodrigo, orgulhoso! que bom que tu passou por aqui pra ler um texto tão caro. grande abraço!

Tati P. disse...

Qual fotografia?

Tati P. disse...

;)

ela tem o cheiro da madrugada...

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...