o pai não tá bem, acordei assustado, som de corpo caindo no piso em seco a gente nunca precisa ter ouvido pra saber como é, então que eu sonhava com alguma coisa interessante porque era exatamente o momento do sonho em que não se pode acordar, não se quer acordar, som de corpo caindo, o pai não tá bem, caído na frente da porta do meu quarto, eu nunca soube quanto pesa uma vida, isso lá é pergunta que se faça quanto pesa uma vida, eu não conseguia levantá-lo, eu não conseguia, EU TINHA ACABADO DE ACORDAR, PORRA! como que faz pra carregar o peso morto, meu pai morto, o peso da minha vida, só restou puxar pelo
pé e colocar o velho na cama: agora dorme, eu disse e saí.
lembrar é isso e se eu dissesse que esqueci estaria mentindo mais do que eu costumo geralmente mentir, mas não esqueci, acontece de a gente não lembrar todo tempo, agora lá vou eu e chorei sorrindo pensando no abraço de dover, o mesmo abraço, tantos anos, o mesmo abraço e o mesmo sorriso, eu preciso de tempo, me dê somente um dia pra eu observar atentamente os dentes, como eles são, a cor das gengivas, os dedos das mãos e o olhar de sono, os detalhes que sempre perseguem, não adianta, não lembro, preciso de um dia e nenhum mais.
eu lembrei como era, um dia, eu lembrei, era loira e de olhos azuis, muito loira e olhos azuis que me engoliam e um sorriso com um aberto entre os dentes, sabe?, os dentes da frente separados e nunca soube o que aconteceu, éramos somente crianças, dois anos de internato o que se pode fazer é comer mesmo e se masturbar no meio da praça, ninguém via, ela com a mão dentro
da minha cueca, o pau assando. e até outro dia nunca tinha havido outra, nunca mais, a gente acha que sabe quando encontra a mulher da nossa vida e eu tinha certeza até o momento em que não tive mais. eu lembrei justamente pra esquecer depois de ter bebido tanto tempo a perda da mulher da minha vida que não era, nem eu era homem pra ela, e não era loira, nem alta e os
olhos não eram azuis, embora fôssemos crianças ainda.
eu cantei quatro discos do engenheiros do hawaii com tudo que eu tinha de voz somente pra ver com antecipação a paisagem que é morada, é lar, coração de mãe, colo de namorada, o sol se pondo no guaíba, ninguém perguntou se é um veio de merda, o sol se pondo e a gente lembrando de uma outra primavera, os meus olhos sempre se enchem de lágrimas e eu não tenho vergonha
nenhuma disso.
não é a decolagem, não é o pouso, meu medo de avião é que de repente eu me perceba no avião, nunca aconteceu, a hora em que eu olho para os lados e quero sair e não tenho como sair quem vai me segurar, tomara que baixe logo a pressão e eu desmaie. para manter o humor talvez que eu lembre da canção do belchior, não vai haver aeromoça bonita, eu sei.
lembrar é isso, a gente não tem como evitar e o que acontece é de repente ouvir a música que toca inocentemente no rádio e ser transportado pra anos atrás, ver a mesma luz, fazia luz quando pedro colocou o dois do legião urbana pra tocar, ouvimos juntos, foi a primeira vez que aconteceu de eu saber que aquele momento seria guardado para sempre. lembrar e esquecer, não
preciso comer, não preciso de sapatos novos, mas que deus sempre me dê dinheiro para comprar desodorantes nívea de cor vermelha na frente, adriano cheirava a isso, eram bons tempos.
quantos abraços, quantos abraços, quantos beijos e quanta saudade. lembrar porque é necessário e é bonito e faz querer viver mais não para reviver por pura nostalgia mas para poder lembrar por muitos anos ainda aquelas tardes de ócio e alegria, era domingo, mate e violão na praça central. eu sempre lembro mas queria esquecer do som de corpo caindo no piso, o pai não tá
bem, eu não adiaria minha viagem nem pra ir ao seu velório.
8 de out. de 2009
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5 comentários:
E eu te pergunto (de novo, e de novo, e de novo e sempre) se relembrar é vontade de viver de novo sabendo que não dá ou lembrar do que a gente foi com saudade do que vai ser e eu sei que não tens reposta porque ninguém tem, afinal. O som do pai caindo é o começo e o fim. O Engenheiros, o Dover, a loira e Porto Alegre estão no meio. Bem no coração.
hey! obrigada pelo elogio lá no deckchairs (sim, só fui ver hoje, hahahahaha).
adorei o seu blog, acabei agora a primeira pagina, continuarei explorando as postagens mais antigas.
beijos!
puta merda.
aliás, depois não diz que eu não avisei. hahahaha.
beijo.
de que porto te faz bem e ponto.
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