8 de out. de 2009

Pai morto.

o pai não tá bem, acordei assustado, som de corpo caindo no piso em seco a gente nunca precisa ter ouvido pra saber como é, então que eu sonhava com alguma coisa interessante porque era exatamente o momento do sonho em que não se pode acordar, não se quer acordar, som de corpo caindo, o pai não tá bem, caído na frente da porta do meu quarto, eu nunca soube quanto pesa uma vida, isso lá é pergunta que se faça quanto pesa uma vida, eu não conseguia levantá-lo, eu não conseguia, EU TINHA ACABADO DE ACORDAR, PORRA! como que faz pra carregar o peso morto, meu pai morto, o peso da minha vida, só restou puxar pelo
pé e colocar o velho na cama: agora dorme, eu disse e saí.

lembrar é isso e se eu dissesse que esqueci estaria mentindo mais do que eu costumo geralmente mentir, mas não esqueci, acontece de a gente não lembrar todo tempo, agora lá vou eu e chorei sorrindo pensando no abraço de dover, o mesmo abraço, tantos anos, o mesmo abraço e o mesmo sorriso, eu preciso de tempo, me dê somente um dia pra eu observar atentamente os dentes, como eles são, a cor das gengivas, os dedos das mãos e o olhar de sono, os detalhes que sempre perseguem, não adianta, não lembro, preciso de um dia e nenhum mais.

eu lembrei como era, um dia, eu lembrei, era loira e de olhos azuis, muito loira e olhos azuis que me engoliam e um sorriso com um aberto entre os dentes, sabe?, os dentes da frente separados e nunca soube o que aconteceu, éramos somente crianças, dois anos de internato o que se pode fazer é comer mesmo e se masturbar no meio da praça, ninguém via, ela com a mão dentro
da minha cueca, o pau assando. e até outro dia nunca tinha havido outra, nunca mais, a gente acha que sabe quando encontra a mulher da nossa vida e eu tinha certeza até o momento em que não tive mais. eu lembrei justamente pra esquecer depois de ter bebido tanto tempo a perda da mulher da minha vida que não era, nem eu era homem pra ela, e não era loira, nem alta e os
olhos não eram azuis, embora fôssemos crianças ainda.

eu cantei quatro discos do engenheiros do hawaii com tudo que eu tinha de voz somente pra ver com antecipação a paisagem que é morada, é lar, coração de mãe, colo de namorada, o sol se pondo no guaíba, ninguém perguntou se é um veio de merda, o sol se pondo e a gente lembrando de uma outra primavera, os meus olhos sempre se enchem de lágrimas e eu não tenho vergonha
nenhuma disso.

não é a decolagem, não é o pouso, meu medo de avião é que de repente eu me perceba no avião, nunca aconteceu, a hora em que eu olho para os lados e quero sair e não tenho como sair quem vai me segurar, tomara que baixe logo a pressão e eu desmaie. para manter o humor talvez que eu lembre da canção do belchior, não vai haver aeromoça bonita, eu sei.

lembrar é isso, a gente não tem como evitar e o que acontece é de repente ouvir a música que toca inocentemente no rádio e ser transportado pra anos atrás, ver a mesma luz, fazia luz quando pedro colocou o dois do legião urbana pra tocar, ouvimos juntos, foi a primeira vez que aconteceu de eu saber que aquele momento seria guardado para sempre. lembrar e esquecer, não
preciso comer, não preciso de sapatos novos, mas que deus sempre me dê dinheiro para comprar desodorantes nívea de cor vermelha na frente, adriano cheirava a isso, eram bons tempos.

quantos abraços, quantos abraços, quantos beijos e quanta saudade. lembrar porque é necessário e é bonito e faz querer viver mais não para reviver por pura nostalgia mas para poder lembrar por muitos anos ainda aquelas tardes de ócio e alegria, era domingo, mate e violão na praça central. eu sempre lembro mas queria esquecer do som de corpo caindo no piso, o pai não tá
bem, eu não adiaria minha viagem nem pra ir ao seu velório.

5 comentários:

Marina Melz disse...

E eu te pergunto (de novo, e de novo, e de novo e sempre) se relembrar é vontade de viver de novo sabendo que não dá ou lembrar do que a gente foi com saudade do que vai ser e eu sei que não tens reposta porque ninguém tem, afinal. O som do pai caindo é o começo e o fim. O Engenheiros, o Dover, a loira e Porto Alegre estão no meio. Bem no coração.

Camila Beaumord disse...

hey! obrigada pelo elogio lá no deckchairs (sim, só fui ver hoje, hahahahaha).
adorei o seu blog, acabei agora a primeira pagina, continuarei explorando as postagens mais antigas.

beijos!

Lou disse...

puta merda.

Lou disse...

aliás, depois não diz que eu não avisei. hahahaha.

beijo.

Lou disse...

de que porto te faz bem e ponto.

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...