10 de nov. de 2011

Poema desentalado.

I

E se eu te dissesse
palavras mais severas?
Mais do que tanto já disse
(logo me vou,
a vida é um fiasco,
de que vale a pena,
vamos nos amar).

E se te dissesse
entre tantas verdades
somente mentiras torpes
me irias acreditar?

Ah, se eu somente calasse
- o tanto que há pra calar -
e me permitisse apenas o toque
- do que tanto que há por tocar -
talvez que enfim te dissesse
e me permitisse falar
as tais das palavras severas
que em nada parecem com aquelas

doces,
soltas,
francas

que os lábios ensaiam
inquietos,
gagos - os lábios gagos.

Seria frio ou seria ensaio?

II

Mas nada - nada há de
equilibrar essa distância
(se fossem somente os anos,
se fossem somente os planos
desfeitos) -
essa distância mesquinha entre
céu e mar.

Aquilo que vês, bebê, não passa
de ilusão de ótica:
não se tocam nem nunca vão
se tocar.

Então por que isso de ser gente
e imaginar?

III

Eu vi mais de três vezes.

(disse um amigo que é do que
precisa um homem, três amores
em que chafurdar)

Eu vi, eu vi!,
eu vi que se acaba em quase nada
isso de se querer,
isso de no que se apoiar.

No entanto
(porém, eu diria)
no entanto se diz
que viver é a busca,
ainda que brusca,
dum querer bem,
ir sem voltar.

IV

Mas sei que já não cabe
(nunca coube -
acontece -
está-se por estar).

falar as palavras confusas
que nos exige a poesia,
as garatujas e a cinefilia;
e ainda a política
que distancia pra aproximar.

V

As palavras.

Há ainda palavras
que digam e possam dizer?
Há ainda sentido quando
no meio do caminho
(quando no meio do
caminho etc e tal e...
assim que se faz poesia,
Drummond?) -
haverá?

VI

Há a poesia e o
poeta
- a curva, a subida,
o contrário e a reta -

mas o que sobra é o que
se verá

(sempre e sempre e sempre
e...):

a alma desnuda e o
coração cheio;
a pele opaca
e muito receio.

No meio disso,
nada há.

VII

Mas tu sabes de tudo
que não viste
(tens nos anos que
não viveste toda a
arrogância que subsiste
no fato de seres tu mesma).

E quem te põe a mesa
não pensa que és tão triste;
vês mais do que teus olhos
míopes,
a língua rachada diz mais.

É assim que se vive,
penso.

VIII

Tanta lisergia pra quê?
Não há momentos sinceros
nisso de se querer?
a si?

Nisso de se querer pra si
tanto que o mundo quer dar
- e não se pode assumir a dádiva -
(a esmola que se quer apanhar
e é extremamente proibida.

Exercer então o quê na bebida
e no escuro dum quarto-sofá;
numa esquina qualquer escura,
do lado, no meio da rua,
aonde se encostar.

IX

Vive-se bem no Brasil,
donde a puta que nos pariu
- o recheio: a pátria, o sonho,
a alma dum brasileiro -
tanto faz:
vive-se bem por inteiro
ou pelo meio.
Vive-se sem reclamar
disso que é tão feio:
isso de ser brasileiro,
ter boca e não saber falar.

Ouvi! Ouvi!

(não eu, é um reclame na segunda
do plural)

O vexame já se engoliu.

X

Há afinal uma história
e um escrever sem memória -
registro para lembrar.

Há, sem querer,
um limite.
Quem pensar ser gente,
acredite:

por mais longe que se vá
(campo, metrópole, mar)
nunca se chega distante
de onde se quis estar.

XI

Se eu te dissesse palavras
mais severas,
me irias acreditar?

Se te dissesse, ao acaso,
que procurei por mais palavras
do que pelo que dizer;

Que andei por mais distâncias
por onde não quis chegar;

Que cantei canções distantes
que a voz não quis cantar;

Que perdi o sono à noite
pra não ter que acordar;

Que rimei rimas tão toscas.



4 comentários:

Josiana Meirinho disse...

Confesso Labes! foi minha primeira vez...perfeito do imperfeito!

Marcelo Labes disse...

que bonito te ver aqui, bonita.

viegas disse...

Puxa Labes, gostei muito deste poema. Muito mesmo!

Marcelo Labes disse...

que bom, professor. é sempre uma honra. tu sabes. :)

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...