29 de jan. de 2018

Sempre moramos do lado da estrada principal do bairro e isso valeu uns bons parágrafos num romance que não termina nunca de ser escrito. Ao lado do ponto de ônibus. Naquele bairro operário onde os trabalhadores falavam de suas fábricas e das empresas que vigiavam e das casas que limpavam e do dinheiro, que era sempre pouco.

Não tínhamos carro e nosso transporte principal era o coletivo, como ainda hoje é. Os motoristas e cobradores eram colegas de trabalho ou parte da família, não consigo decidir, tanto tempo que faz isso. Nos viam crescer e, pra minha grata surpresa, ainda me reconhecem, passados tantos anos. Outro dia vi seu Wilson, um cobrador que trabalhou na linha de casa ali pelos 2000. Não precisei dizer palavra para que ele se levantasse e me cumprimentasse logo com um abraço.

Mas houve um tempo, antes disso, que foi muito melhor. A linha que passava em frente de casa era a Norte - Sul, Badenfurt - Progresso, e cruzava toda a cidade nesse sentido. Isso antes dos terminais de ônibus e da integração de todas as linhas. Era ali que passava Seu Ivo, o homem grisalho, com a careca exposta no topo da cabeça. Era ali que passava o Valdecir, o cobrador que me deixava fazer uma, duas, três viagens, até quase escurecer.

Eu podia sentar em seu assento, o único disposto no sentido lateral, mais alta que todas. Podia puxar o cordão que avisava quando tivessem baixado todos os passageiros. E podia conversar com o motorista num ângulo impossível de outro lugar do ônibus. Era um local que garantia ao sujeito que ali sentasse muita importância, além de ser uma função de enorme responsabilidade. Mas eu não sabia contar, e tão logo os passageiros fizessem fila para passar na catraca, eu tinha de abrir mão do meu lugar para seu dono, o Valdecir.

Era o mais longe que eu conseguia ir de casa e era um dos poucos meninos que conseguia tal façanha. Aos demais, sobravam as narrativas tortas das aventuras dentro do lotação. Depois de atravessarmos a cidade, o ônibus parava por meia hora num boteco à margem da BR 470, em Blumenau. Ali eu ganhava um salgado e um refrigerante de garrafinha e ficava conversando, porque às crianças nunca falta assunto.

Lembrei disso porque não arrumo emprego de jeito nenhum aqui em Florianópolis e, já cansado, fui procurar nas empresas de ônibus. Pensei que eu pudesse me igualar ao Valdecir, agora que sei fazer a maioria das operações matemáticas simples. Mas não precisavam de ninguém. De qualquer maneira, sigo buscando um trabalho que me pague as contas, o cigarro e a internet, pra eu seguir procurando essas pessoas que fizeram parte disso ou daquilo.

Outro dia encontrei com Paula, uma amizade virtual de lá-se-vai-o-tempo e de quem eu não sabia nada há pelo menos dez anos. Escrevi um poema pra ela no meu primeiro livro. Agora, quem sabe, eu encontre o Valdecir.

Valdecir, se tu estiver lendo esse texto, vim te dizer que aprendi a contar.

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