22 de jun. de 2019

eles não sabíamos de nada
depois que a festa foi feita, pá
depois que as cortinas se abriram
e jovens embriagados divertiam
adolescentes pobres com sonhos
de drogas e roquenrol

eles achávamos que estava tudo
acertado - brizola & betinho retornando
do exílio - ninguém se perguntou pelas
ossadas do araguaia porque havia ouro
para ser retirado em serra pelada

eles comemorávamos a abertura
mesmo que os generais se aposentassem
e torturadores vorazes fizessem escola
enquanto, nos almoços de família,
jornal aberto mostrasse os vagabundos
criminosos comunistas
- eu bem que fiz a minha parte

eles cantávamos cazuza e renato russo
eles cantávamos a música da barata
do ursinho - ou vão me censurar (será?)
e era tudo divertido porque os jovens
tinham motos 2 tempos e capacetes
coloridos - os jovens morriam como moscas
naquele tempo em que fizeram o asfalto,
lembra?

eles acreditávamos em conceitos vagos
de democracia e coragem - naquele tempo
foi duro, mas alfredo bebeu cachaça e operou
teares independente do que houvesse lá em cima
- os generais se aposentaram ganhando milhares
e os operários, ah os operários e seus sonhos
de aposentadoria e seus filhos galgando o mundo
pequeno
e sua realidade de ninharias

eles sonhávamos com um país desenvolvido
com carros voadores como nos filmes
eles brincávamos de presidencialismo
- um presidente a mais ou a menos
se as corporações ainda - quer que eu explique?
e os jovens poetas do roque tomando overdose
e falando verdades simples - comemorávamos
- falando verdades tristes - comemorávamos
até que todas as canções de protesto foram
esquecidas em gavetas junto de contas pagas
e contas a serem também esquecidas

também o amor amarelece
também o futuro amarelece
tudo fica sendo mais ou menos amarelo
de acordo com os óculos antigos
- porque tentamos ver o que queremos
e não choramos nossos mortos como
deveríamos

- fosse assim, não ousaríamos chamar
ao diálogo, mas clamaríamos à forca

foi a literatura que não lemos ou a que deixamos
de escrever que nos fez covardes parlamentaristas?
foi o colégio eleitoral de tancredo ou a rouquidão
de vozes que pediam aos golpistas que parassem

- a sensibilidade dos leitores não permite que exibamos
aqui a fotografia de mussolini enforcado pela reação
italiana

tampouco o pedaço da têmpora dum adolfo covarde
que preferiu fugir com um tiro (como um candidato
que se nega a ir ao debate) -

eles queríamos um país do futuro que nos chegasse
pelo rádio ou através de programas de televisão
de domingo
mas estávamos ainda dormindo ainda comemorando
que a ditadura caiu a ditadura caiu a festa da democracia,


e enquanto comemorávamos as vitórias e dormíamos
banhados em glória, eles fazíamos o que queriam
porque eles não gostam de música
eles não gostam de literatura
eles bebem cachaça e operam teares
rezam a deus rezam aos pares
eles querem que o fim do mundo se adiante

- eles não demos corda no relógio outra vez, não é?

eles não sabemos exatamente o que esperar do que vier, não é?
eles estamos com medo de que nos passe o que aconteceu com quem aparece nas fotos, não é?

somos todos muito covardes, não é?

mas não matamos / porque somos bonzinhos
não maltratamos / porque somos bonzinhos
não julgamos / porque somos bonzinhos
exatamente como eles nos queríamos.

[15/10/2018]

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