numa das muitas cenas de pânico
que protagonizamos durante os dias
teriam motivo para apontar nossas
fraquezas para pisar nossas feridas
e rir abertamente de nossa fragilidade
mas eles não vêm aqui, eles não sabem
onde aqui fica - eles supõem que nos
conheçam, mas de suposições o inferno
já vai bem carregado
a solidão dos apartamentos: às centenas
se todos soubéssemos o caminho as ruas
estariam cheias de cadáveres os pássaros
já os teríamos matado a todos as redes de
proteção já teríamos retirado
uma
a
uma
e acompanharíamos a queda dos animais
de estimação e das crianças de colo e andador
uma chuva amarela anunciou granizo
mas o que caiu mesmo foi a pressão arterial
- aquele vento ventando as ventas dessa cidade
suja e carcomida - chuva invertida de papel
e soluções à vista - no fim, foram aquelas gotas
necessárias para causar colisões traseiras
escorregamentos na calçada brigas entre
vizinhos e cada vez mais distância entre as
pessoas
outro dia falei um poema que me exigia uma risada
- nunca morri tanto como naquele fingimento
outro dia escrevi um livro outro dia fiz uma oração
outro dia eu era um menino sujo de barro até os
cabelos - o futuro não assustava como o agora
essa demora em vencer os dias essa demora
brincamos de revolução como se um raio nos atingisse
(no mesmo lugar no mesmo lugar no mesmo lugar)
mas somos sozinhos e animados como o boneco de posto
que me observava na caminhada diária para comprar cigarros
animados e sozinhos e apaixonados
mas sobretudo sozinhos e distantes
como animais enjaulados animados
sozinhos e apaixonados como animais
enjaulados animados sozinhos e
apaixonados como animais enjaulados.
[01/10/2018]
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