3 de set. de 2020

uma vez fui bêbado à ópera
assistir o ouro do reno, de
wagner, no teatro municipal
de são paulo - enquanto su

bíamos a escadaria um mora
dor de rua apregoava a chu
va que viria e lavaria tudo das
almas das pessoas às tristezas

do mundo. dormi, acordei, e
tive tempo de ver as cinco ha
rpas dispostas ao fundo do
palco nos minutos finais do

espetáculo. que desperdício,
pensei, cinco harpas para tão
pouco tempo; e as harpistas
e o nosso tempo de especta

dores. talvez já tivesse chovi
do, talvez as pessoas estives
sem curadas de suas dores e
o mundo fosse afinal outro

(não era). saí do municipal
com a boca seca e dor de ca
beça pensando que não havi
a entendido merda nenhuma

de wagner, do ouro do reno,
da riqueza do municipal e da
arrogância de seus espectad
ores. lembrei disso porque es

tou ouvindo a ária da rainha
da noite, de mozart, para rec
uperar uma imagem da infân
cia, quando ouvia o disco do

filme de alan parker no carpe
te da sala de casa - era de ligia
aquele disco - e eu não sabia
o que aquela mulher dizia nos

agudos e agudíssimos daquele
trecho que vocês bem sabem q
ual é. agora vi que existe a pos
sibilidade de saber o que aquel

a mulher cantava com tanta an
gústia, mas deus me livre de d
esvendar mais um mistério da
vida quando todos os outros j

á estão expostos: o amor e a f
alta dele, a morte de amigos q
ueridos, as cartas que se acum
ulam, as feridas que lambo soz

inho. deus que me livre mais u
ma descoberta, que já não tenh
ho podido lidar com o que desc
ubro e nem quero saber de mais

nada.

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