que será que sentia? que será que sonhava?
tio joão que morava no último sítio da última estrada do fim do mundo. eu lembro: minha mãe chorava porque fora ali, naquele sítio, o casebre de chão batido, o pai morto depois do almoço.
não me sabia, nem eu a ele: dois estranhos. quem sabe, o mesmo olhar triste. o dele, pela farinha pouca. nunca pensou em que roupa. tio joão e a pinga pra fazer rir, o palheiro que deixou e disse: não fumo mais. meu olhar triste de quê, tio?
talvez a visita de agora-faz-pouco: sem sítio, sem cavalo, sem carroça. deitado na cama humilde do três cômodos beira-chão.
(a poesia duma vida que a gente vê no teto sem forro, as telhas aparecendo, um sorriso lacrimoso que chorou quando nos viu)
beijei o velho de cabelos pretos - ainda pretos -, como se fosse meu pai. e talvez fosse. joão tavares, filho de joão tavares, o que morreu depois do almoço.
este, suspirou num hospital. teve mais chance. teve mais tempo. morreu com os cabelos pretos do outro.
aquele joão tinha guardadas em cima da casa as tábuas pro seu caixão. e este joão, como será enterrado?
a mesma igreja na colina, o mesmo vento de litoral. o cemitério onde joão-de-depois-do-almoço nunca mais foi encontrado.
carminha decerto chegará perto e dirá: "adeus, mano. que encontres todos os outros lá em cima". e eu chego a acreditar no lá em cima pela fé com que terão sido ditas estas palavras.
acontece que a gente vive exatamente pra morrer um dia. e esse choro guardado não tanto pelo tio joão, que morreu velho e cansado: mas por nós, que vemos a vida ir embora. nós que amamos e temos lembranças.
- lembranças que me visitam todas agora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário