A linguagem está morta!
Já não há mais como explicar
o que carece de sentido:
a infância degolada,
a comida atrasada
e aquele teu novo emprego
que em nada se difere
do antigo.
Abolimos a linguagem
para que não peçamos desculpas
(nem tampouco façamos justiça)
aos jovens mortos por tiro,
vítimas do seletivo-tão-antigo
jogo da cor
[preto, moreno, bandido]?
Como for!
Evitamos a palavra
para que se impeça o reparo
aos mortos das propagandas,
às vítimas da eterna dança
da velocidade e do carro.
Engolimos a palavra
para que não hajam mais feridos
entre aqueles que encontram com Deus
através de seus próprios livros,
através da palavra cantada.
Já não é mais possível dizer
se já não se pode viver:
de agora em diante, grunhidos!
de agora em diante, mugidos!
Ou o definitivo silêncio
- que assuma com todo seu peso
o controle de nosso desprezo,
a falência da palavra.
(...)
Essas nossas mãos sujas de sangue,
lavaremos todos
na mesma fonte
com a surpresa trivial
de quem sabe que é culpado
e carrega, consigo e calado,
o brutal peso da morte,
a banalidade da sorte,
toda arrogância do mau.
Somos todos culpados!
Todos os dias, todas as férias,
todo retorno de feriado;
de manhãzinha,
quando a tarde finda,
nas noites de lua-cheia:
não seremos perdoados.
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