26 de fev. de 2009

Texstículo.

Acordou nauseado. Abraçando a privada, pensava na última refeição: há quanto tempo não comia? Sim, estava digerido, nos intestinos talvez. Por que, então, aquele vômito liso? Cambaleou até a cozinha: a cozinha o enojava; por cima da pia, a louça engordurada lhe causava arrepios. De onde isso, agora?

À tarde, enquanto Roberto Carlos cantarolava no rádio a pilha, uma saudade exagerada causada por fotografias antigas. Chorou sinceramente. Abraçado às almofadas, chorava e ria, ria e chorava, os soluços se acumulando na boca que deixava escorrer saliva, nos olhos que não se envergonhavam das lágrimas.

No entardecer, o espelho. De frente, de perfil. O coração acelerado. Um arrepio que lhe percorreu a espinha causando mais riso, mais lágrima e alguma verdadeira comoção. E se fosse? Não podia ser. Afinal, nunca soube de nada parecido. Mas estava ali, na sua frente.
Acariciou o ventre. Estava grávido, tinha certeza! Jamais se permitiria entender como. Jamais ousaria se indagar do porquê.

16 de fev. de 2009

Remorso.

Horas depois, diante do delegado, pensou que talvez houvesse uma saída, não aquela. O próprio delegado entendia o caso, mas era obrigado pela sua função a prender o assassino. Uma mulher, dois homens, chegou a pé, o carro quebrado na esquina — não fez barulho, por isso nenhum cuidado a mais foi tomado pela sua chegada. Houvesse o ruído longínquo da Brasília subindo o morro, punha os dois pra correr, nada se saberia.

Um grito. Dois homens tentando vestir as calças — não se corre de marido traído com as calças na mão. Na dúvida, enfrentar o corno. A mulher lambuzada de porra pelos cabelos gritando que não, não fizesse, não matasse. Vestidas as calças, daí sim, correr. Lourenço, homem bom, trabalhador, que nunca segurou na mão uma arma de fogo, as mãos calejadas, encontrou pelo caminho a foice de limpar arbusto. Limpou a honra na carne mole da mulher amada.

***

Vitório, que se tinha esse nome por analogia, ficava na analogia mesmo. Homem mendigo, sentado tomando pinga com um outro, contava sempre histórias, uma à qual sempre retornava: um setembro, primavera ou não, parecia ser, o dia claro. Arrumou uma trouxa de roupa, levou consigo os cobres dos velhos. À cidade! À cidade! Que só lá se podia ser feliz: trabalhar duro, arrumar uma moça, construir uma casa.

Um dia, a pinga: a moça embora, o trabalho pesado, a casa difícil. A pinga e a vontade de viver no sítio, criar gado, plantar aipim batata feijão e milho. Acordar cedo, dormir cedo, baile no final de semana com sanfona e cantoria. Talvez não devesse ter roubado os velhos: a pinga era o castigo. Lembrança da mãe morta, do pai morto, saudade do pai e da mãe. Vinte anos de pinga. Se tivesse esperado um pouco, se não tivesse feito a trouxa de roupas ralas, se tivesse pensado melhor.

***

A fronteira: calor, mosquitos, umidade, calor. Sair dali, ir pra São Paulo, conhecer o Rio de Janeiro. Um pouco estudado, funcionário público. Lurdinha grávida, os maiorzinhos sabendo a televisão. A proposta: deixar passar o carregamento, uns trocados no bolso. Mais um carregamento, mais uns trocados. O mato em volta o ouvia: “nessa merda de Amazônia, quem vai saber de mim? Quem quer saber de mim? Vou-me embora!”

Lurdinha chorando em casa: o dinheiro, gastava na zona. Nunca batera nela, agora soco e tapa de mão aberta. Maldito que cheira a aguardente e a doença venérea. Ela mesma deu um jeito de avisar os soldados. Soldado sofre mais, não permite que alguém se safe. Quando começou a apanhar, disse que a culpa era do calor, aquele verde todo, nenhum sinal de cidade em milhares de quilômetros. Meteram-lhe a baioneta no cu e ele respondeu em castelhano: “Hijos de la puta!” Lurdinha, coitada, os cinco filhos, lembrava do Ernesto morto: saudade do safado na barriga doída de vazia.

12 de fev. de 2009

Feira livre.

Quinta-feira. Nenhuma data importante, mas como diz o gerente da seção, todos os dias são realmente muito importantes. Pela janela, podia-se ver que amanhecia. Poderíamos ver, se ali estivéssemos. Ele, por enquanto, dormia. Quinta-feira era dia de auditoria na seção; papéis seriam requeridos, papéis seriam encontrados, papéis seriam analisados e arquivados. E era essa, exatamente, a sua função: cuidar dos papéis. A cidade acordava. Aos poucos, cada um seguiria atento para suas responsabilidades e ele teria, como era quinta-feira, um dia de muita responsabilidade.

Acordou. Nem um movimento mais, a não ser o dos olhos, que se abriram rapidamente, assustados, e procuraram pelo despertador — que não somente o acordava, mas lhe lembrava que a rotina é necessária, que os compromissos estão aí para serem cumpridos e que cada um tem a vida que merece. Merda de despertador. Procurou-o. Todos os dias, essa necessário de buscá-lo, porque cada vez colocava o relógio em um ponto diferente do quarto. Assim, não corria o risco de desligá-lo com a mecanicidade com que batia o cartão-ponto todos os dias, por exemplo.

Todos os dias acordava moribundo. Da mesma forma, levantava, punha água para esquentar e dirigia-se para o banho. Moribundo. Cansado, isso sim. Melhor dizer de saco cheio. Todos os dias era preciso que o despertador lhe lembrasse da necessidade de ser responsável, do quanto é preciso lutar e sofrer para conseguir algum tipo de estabilidade nessa vida de merda. O despertador e o chefe da seção, no fim, eram a mesma pessoa, mas com carcaças diferentes. Debaixo daquelas peles — uma de plástico, a outra recoberta de musgo — habitavam seres exatamente iguais, com a mesma função em suas vidas ditas úteis. Quanta reflexão interessante consegue ter uma pessoa normal ao acordar.

Nessa quinta-feira, não levantou, não pôs água para esquentar nem se dirigiu ao banho. O despertador tocava, mas como havia mesmo se acostumado com tanta irritação, dia após dia, por que não conseguiria se acostumar com o ti-ti-ti do relógio? Agüentava o chefe da seção e essa era a maior prova de paciência que poderia ter conseguido para demonstrar a forma surpreendente como se acostumava com a vida que levava.

Da mesma forma como havia conseguido com o despertador, com o chefe da seção, com os ônibus lotados — de manhã e à noite — e com a Voz do Brasil, haveria de encontrar uma forma de lidar com sua cama e seu quarto, de onde não sairia nos próximos dias. Hesitou. Se seria mesmo capaz de não se mover, isso era de se descobrir. Mas já que agüentava os ônibus lotados, o chefe da seção, a fila do café e o despertador, conseguiria sim se acostumar com o ócio, a falta de movimentos mecânicos, a ausência de companhias desagradáveis, os cheiros todos que lhe lembravam de um tempo que não tinha certeza se já havia passado ou ainda estava por vir.

Sem mover qualquer músculo, se não os responsáveis pela órbita dos olhos, observou atentamente, através da fresta na cortina, que o sol já ia alto. Perdia o ônibus, o horário de entrada no escritório e, por ser quinta-feira e não ter comparecido — ainda mais sem uma justificativa muito convincente — perderia também o emprego.

Fechou os olhos e fez um último movimento notável: virou-se para o lado e voltou a dormir.

9 de fev. de 2009

Olheiras postiças

3:51. Se não dormiu até agora, não é agora que vai dormir. Tudo em que pensa confunde-se com o barulho da chuva e com os roncos esparsos de um e outro veículo que a essa hora visitam a solidão da cidade.

“Meu pai”, pensa, “cobrando essa merreca de trezentos paus. Vou dizer pro velho ‘Porra! trezentos paus, choramingando isso? E se eu for te cobrar os vinte anos? Vinte anos!’ Não vou dizer. Mas devia. E devia dizer mais. Devia fazer o velho chorar por mim como chora pelos outros”.

“O aluguel, a gente devia combinar melhor: paga quanto acha que deve. Esse mês, por exemplo, não tenho grana. Não quero pagar nada. Não tenho como, por isso não quero. O pouco que consegui juntar é pra comida. Arroz, feijão, azeite, sal e lingüiça defumada. Não vão me deixar sem a lingüiça. E tem os trezentos paus do meu pai. E se eu disser pra ele que não tenho como pagar, que fico sem comer?”

Tenta acordar a mulher que dorme ao seu lado. E se conseguir? Poderia contar uma piada. “A essa hora só se ri sozinho, só assim”. Não conta para si a piada, já conhece o final. E não pode ligar o rádio. Não tem como telefonar, o telefone cortado. “Pra quem eu ligaria? Pra um 0800, conversar com a telefonista. Bom dia, moça, qual é o teu nome? Não, não tem problema nenhum aqui, não tenho código de assinante. Não, não sou cliente. Ela desligaria, eu discaria de novo o 0800 e já seria outra pessoa do lado de lá: bom dia, moça, tudo bem?”

“Mamãe pareceu triste ontem. Acho que por causa do emprego, digo que não quero ficar, não nasci pra isso. Sempre me culpando, a velha. Eu digo: sou assim, assim me fizeram, passo fome só às vezes, querem o que de mim? Não dou despesa nenhuma. O aluguel que paga, paga porque quer. Se me desalojarem, morre de medo que volte eu para casa.”

“Só pode ser isso. Puta merda: o relatório do chefe. Diabo de insônia! Aquilo era jeito de falar? Claro que ia esquecer. Esqueci por gosto. Ou esqueci porque esqueci mesmo. 'Arruma essa merda e me traz corrigido!'. Vou dizer que perdi o arquivo. É capaz de ele acreditar. Vou fazer melhor: não vou trabalhar e outro trouxa vai levar a culpa. Acho que ele nem sabe o meu nome. Vai na mesa do lado da minha, se confunde, chama outro de incompetente. Apareço semana que vem, arrumo um atestado”.

“Mês que vem pago o pai. Eu que pedi, a culpa é minha, sou eu quem tem de pagar. Vou ligar logo cedo pra dizer que não vai dar agora, que fico sem a lingüiça, ele vai entender”.

“Essa coisa de acordar cedo é um vício cristão”, pensa. “Acordar cedo pra que se possa aproveitar o dia, almoçar ao meio-dia com a família, trabalhar durante o dia pra dormir à noite, tranqüilo. Acordar cedo pra que todos sejam felizes: Deus, patrão, pai, mãe: tudo vício, todos viciados. Acontece que hoje não vou trabalhar. Foda-se. Os trezentos que devo pro pai, pago quando puder. Foda-se mesmo. Bando de viciados”.

Às 5:57 desliga o despertador para não acordar a mulher. São mais comuns os carros passando. A cidade acorda. Sonolenta, limpa a remela da noite — nevoeiro — e procura espaço para receber o sol. 6:10: Roberto, o rabo enfiado entre as pernas, lava o rosto sem se olhar no espelho. Na ponta dos pés, adentra no quarto, pega as roupas cuidadosamente dobradas de sobre a cadeira, veste-se, beija a testa da estranha ao seu lado e vai trabalhar. As olheiras bem poderiam ser postiças, as retiraria quando não fossem necessárias, quando não combinassem com a roupa que usa ou com o sol de lá fora, que começa a aparecer.

As olheiras bem poderiam ser postiças, mas não são.


Na gaveta desde julho de 2008.

6 de fev. de 2009

Dona Santinha

— Lê pra mim, Zenaide. Como é o nome?
— Dormilex, Dona Santinha. Dor-mi-lex.

Santinha, a vizinha do lado da casa de Zenaide, não sabe ler nem o próprio nome. Decorou o desenho e, letrinha por letrinha, o nome não lhe falta à necessidade de escrevê-lo. Santinha não dorme, a coitada, por isso precisa dos remédios. Sofre de saudade do marido morto, que falta faz o falecido. Sofre pelo filho bêbado que lhe rouba os trocados da pensão. Sofre pela boa nora, que apanha, e é pele e osso, a coitada.

Zenaide é auxiliar de enfermagem. Veste branco, é doutora.

Santinha todo dia no médico. “Angústia no peito, doutor”, reclama. “Dor no peito, doutor”, suspira. E nem Dormilex faz Santinha dormir. “É uma angústia, Sileide, essa vida!”. O coração fraco, a saúde que se vai com o tempo, tudo é tristeza e mágoa. Dona Santinha, os olhos cansados, pergunta à amiga:

— An-gus-ti-ol! Angustiol! Lembra a angústia? Remédio pra angústia!”, ensina Zenaide. Santinha repete e repete e já sabe todos os nomes. De fórmulas nada entende, mas confia na amiga.

“Flexitonazol!”.
“Artimioziopã”.

Zenaide vê mais, doutora que é. Assim pensa a Santinha. Um dia, aparece com pílulas brancas, sem desenho nem letra em cima.

— Pra que servem?, pergunta Santinha.
— Pra tudo, reflete Zenaide.
— De onde vêm?, indaga Santinha.
— Roubei do hospital, é muito caro, não tem pra comprar na farmácia nem em hospital de pobre.
— Resolve?, anseia Santinha.

Santinha, enfim, dorme. Acorda mudada, limpa a casa, arruma um cachorro por companhia. Abre as janelas, rega as flores. Põe o filho pra fora de casa, chama a nora para morar consigo, arruma namorado no baile. Toda semana, Zenaide traz os comprimidos. Santinha segue a receita: um para acordar, um para dormir. Zenaide sabe, aprendeu de ouvir enfermeira falar. Farinha, água, pitada de açúcar, pitada de sal.

Santinha, vida nova, todo dia agradece à amiga. “Café hoje à tarde, Zenaide?”. Da angústia, não se lembra. Da insônia, mal se recorda. Esquece o nome do remédio, bate à porta da amiga:

— Zenaide, como é mesmo o nome?
— Por que, vai ao médico de novo?
— Não, minha filha, é só pra ter guardado, pra agradecer a Deus.
— Placebo, Dona Santinha. Pla-ce-bo.
— Esse é mais fácil.

Zenaide anota o nome no papel que Santinha dobra e guarda dentro da Bíblia que nunca leu, que nunca lerá.

5 de fev. de 2009

Acidente

“Putaquepariu!”, foi o que tive tempo de exclamar, e já era encontrado pelo carro que vinha em minha direção e que não tive tempo de reconhecer a marca. Assim que voei, não sei o que passava pela minha cabeça, mas tive a impressão de que tinha feito merda e que, se estava mesmo voando, não queria saber do meu pouso. Rápido, claro que sim, já estava caído no asfalto, todo arranhado e possivelmente sangrando. Podia, com minha racionalidade, facilmente presumir que me encontrava todo quebrado. Mas não tive tempo de concluir esse pensamento, não. Desmaiava em seguida.

Segundos antes, eu acabava de sair de uma encrenca. E feia. Não sou casado, mas ela é. Porra!, casamento não é isso! Onde já se viu uma mulher trabalhar tanto, ser tão atenciosa com a família, tão cuidadosa com os filhos e não receber amor do marido? Foi aí que entrei, com o amor. Não faz muito tempo, questão de meses. E uma mulher que passa a ser realmente amada, muda. Ela mudou a ponto de o marido estranhar: sorria. Ontem eles discutiram, ele disse o que pensava, do que desconfiava, deu três tapas na cara dela e foi dormir.

Hoje foi que nos encontramos. Fiquei muito irritado quando vi seus hematomas e virei macho, de verdade. Disse a ela que largasse aquela tralha toda; família, marido, os moleques, o cachorro, tudo!, e viesse ser feliz ao meu lado. Bem que eu queria mesmo que ela dissesse não. Apesar do exagero da hora, penso que não estou preparado para ter esposa e me incomodar com essas histórias de morar junto. E a resposta foi mesmo negativa. Para não perder a pose, disse a ela que procurasse outro para despejar em cima suas mágoas de mulher insatisfeita, que eu tinha mais com o que me preocupar, que nunca mais me procurasse e essas coisas todas que são ditas em horas nervosas. Entrei no carro e saí, a mil. Mais por pose do que por pressa. Olhei rapidamente para trás para ver se ela me seguia, mesmo que com o olhar, mas não, já tinha sumido. Quando voltei a olhar a estrada é que apareceu aquele imbecil, que atravessou sem olhar para os lados.

— Dá um beijinho, Paulinha!

Faz tempo que estou nessa com a Paulinha. Como diz o Guto, essa é comestível e intocada. E gostosa, muito gostosa. E eu, volta e meia trago, ela aqui pra praça pra me dar aulinha de inglês. Qualé! Meus pais me tiveram em Londres e eu cresci no Canadá; aulinha de inglês? Quero mesmo é vê-la pronunciando thanks, thought, think; lingüinha entre os dentes, oh coisa maravilhosa. Quando eu deixei de ficar safado com ela, Paulinha começou a me dar atenção. Fiquei duas semanas sem falar em aula de inglês, pra ver se ela me chamava — e me chamou.

Era o que eu esperava. Pois que nem falamos de inglês, coisa nenhuma. Batemos papo lá por umas duas horas. Quando o papo esfriava e eu tinha a chance de me aproveitar do silêncio, sentei mais perto da Paulinha e pedi um beijinho. Foi o tempo de fecharmos os olhos lentamente para abri-los com espanto. Não vi o cara ser atropelado, mas vi ele rolando no asfalto. Paulinha começou a chorar e lá se foi uma tarde inteira perdida.

Caetano nunca foi supérfluo. Lá pra mulher dele, até pode ser. Porque, amigo, a gente sempre gosta mais do que família. E eu gostava de Caetano como um irmão, justamente por que não era meu irmão. A gente se conheceu por aqui, pela pracinha, quando ainda era novo. Ele mais novo que eu. Ensinei muita coisa ao Caetano: jogar xadrez, escapar da patroa, discutir política. E foi o que a gente fez bem uns quarenta anos. Pois que, um dia, engracei com uma senhora, viúva como eu, e não tinha mais tempo pro Caetano. Paixão é assim que é. O pobre caiu na tristeza profunda, de dar pena, foi o que disseram. Então, depois, ele se atirou lá da varanda dele, do apartamentinhozinho que ele tinha, chegaram a falar que era por causa da muita idade e da aposentadoria pouca. Mas eu não acredito, porque falei com a viúva dele, que me disse que ele se atirou foi de solidão. Não tinha mais amigo, que era eu, pra jogar conversa fora, falar mal da vida e do governo, e nenhum filho dele sabia jogar xadrez.

Atirou-se, eu fiquei sabendo do pessoal aqui da vizinhança, com a cabeça na calçada que trincou o osso e saiu muito sangue. Por isso eu fiquei tão magoado quando vi o rapaz caído atrás do carro. Lembrei do Caetano, meu amigo velho, que se estrebuchou também, aqui mais pra frente, não tem nem um mês ainda.

4 de fev. de 2009

Efemerismo.

Quando quiseres
dizer que amas,
quando aprenderes.

Quando quiseres
compartilhar os
teus prazeres.

(Àquela hora
da noite que evita
ser dia)

Terás tanto pra dizer
Pra falar do teu sentir.

Já todos terão ido dormir.


Pinheira, 3 de janeiro de 2009.

3 de fev. de 2009

O lado B dela. E o meu.

- Me deu vontade de ler.

- Só quem sabe - ou já soube - pode ler assim dessa forma tão… chorosa como li teu texto. Belo e verdadeiro. Gracias! (…) Outch! Doeu fundo isso.

- Pensei em 456 coisas pra comentar aqui enquanto lia pela primeira, segunda ou terceira vez. Até que conclui que para histórias tão parecidas com a vida real, comentários são irrelevantes perto de vivências. Do cacete, literariamente.

- Sim, Marina, concordo contigo quanto à irrelevância de comentários relacionados a textos, por assim dizer, tão reais. É por isso que, se me magoar tão profundamente como hoje, te lendo, vou atacar a autora, não a autoria. Muito bom te ler.

- Te deixo magoado, ameaças me atacar e ainda assim dizes que é bom me ler? E depois nós complicamos as coisas…

- As coisas são complicadas por si só. Primeiro, como disse, recebi duas raquetadas no mesmo dia vindas de uma autora que, felizmente, não conheço: sou de fazer fiasco quando sinto a ordem do meu dia perturbada. E se foi assim, se doeu, é porque foi bom ler. Não é tão complicado assim…

- Se as raquetadas foram dignas de fiascos, doeram e essa dor fez sentir uma perturbação no seu dia, fico feliz. Essa mesma felicidade que você deve sentir por não conhecer a autora das raquetadas. (No final, todo mundo é complicado. Mesmo porque esse pingue-pongue da vida não deixa simplicidade alguma durar pra sempre).

- Sim, é pra tu te sentires feliz por ter me perturbado: chegaste lá. Agora não posso dizer que me acalma não te conhecer, porque certamente vou desviar de pessoas na rua (nunca se sabe aonde está a raquete) com medo de apanhar de novo, numa quinta-feira quente e úmida ou num domingo de sol e vento.

- Ritmo gostoso de se ler. Quanto a desviar de pessoas na rua, se acalme. Quase todas elas escondem suas raquetes de um jeito tão especial, que acabam por nem lembrar que elas existem. Só malucos saem tentando acertar os outros, já que na maioria das vezes se encontra só o vento e nenhuma cara pra bater.

- Por isso mesmo essa coisa de tensão: não quero me desviar das pessoas: quero me desviar de ti- ou não, claro está, porque acabo me tornando realmente curioso em saber sobre quem consegue fazer isso assim, com ou sem raquetes, querendo ou não usá-las.

- Olha, interessante. Acho que é a primeira vez que um ilustre desconhecido me fala sobre querer (ou não) desviar de mim na rua. Minhas raquetes (ou o que quer que elas sejam) começaram a fazer efeito em pessoas que eu não conheço e não só nas que evitam as conversas mais delicadas comigo na vida real, palpável. De qualquer forma, hoje não tentarei te atacar e acredito que não vamos nos cruzar por aí. Ande tranquilo.

- Devo me sentir seguro, então? Acho que conseguir fazer efeito em desconhecidos pode ser vantajoso - desde que desconhecidos permaneçam. Uma pena que hoje não aconteça nada grandioso: tirei o dia de folga em busca de. Mas andarei tranquilo, sim. Tranquilo e curioso.

- Curioso?

- Por querer saber quem é que essa pessoa que me diz pra andar tranquilo porque - hoje - não vai tentar me atacar, tampouco cruzar comigo por aí.

- Se te consola, mesmo a que tenta te acalmar sabe exatamente quem ela é.

- Sei? Sabe? (…) Um dia a gente se esbarra e mato a curiosidade. Ou ela me mata: a curiosidade ou a raquetada? Enfim.

- E o mais engraçado é que eu já passei por você.

- Injusta!

- Qual é a injustiça?

- Eu não saber te reconhecer é uma.

- É o meu lado A. Você também pode achar que uso vestidos e trançinhas. Mas é bom, me sinto menos perigosa. Ou pelo menos escondo bem o perigo.

- Desculpa, mas não te creio de tranças. E eu talvez não quisesse conhecer o teu lado A. Esse é sempre tão fácil de se saber. Mas esse perigo me chama atenção. Uma pena não te saber, sutil desconhecida.

- Um dia nos encontraremos e o problema estará resolvido, ilustre desconhecido. Ou, quem sabe, na próxima vez que estiveres sentado a escadaria e eu passar, você seja o primeiro a me reconhecer pelo Lado B.

- Que assim seja. Lado B, sim: lá estão sempre as melhores músicas.


Uma longa curta história que começou por lá, no Invisível Particular, da Marina Melz, continuou por aqui, depois se enrolou e assim se fez.

2 de fev. de 2009

Resoluções de ano-novo a partir da Praia da Pinheira.

Para Ligia.

Voltar a ver o mar logo; vê-lo no inverno também.

Esquecer fulana e beltrana: se acumulam com o tempo.

Dizer o que tiver de ser dito a quem realmente tiver ouvidos.

Não entristecer à toa, não me entristecer à toa.

Aprender a viver sozinho, verdadeiramente sozinho.

Abrir mão de comemorar datas tristes.

Aprender a comer.

Aprender a dormir.

Evitar lembrar os nomes que se esquecem de se esquecer.

Achar alguém pra dormir junto.


Pinheira, 3 de janeiro de 2009.

já ia avançado o dezembro naquele dois mil e hum já ia também naque le dois mil e vinte os dezembros se mpre têm disso: são somas de térm in...